9
jun

Paraíso Perdido

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Meu último post neste blog foi em 2016. Desde então, passei uma temporada na Bahia, outra na Chapada dos Veadeiros e, desde março do ano passado, moro em Natal.

A capital potiguar tem todos os quesitos para se enquadrar na categoria de paraíso: as praias são limpas, a água é morna e com uma cor de Caribe, o povo é simpático ao extremo, a cidade é pequena e organizada, absolutamente todos os dias faz 30 graus, a governadora é bacana e socialmente responsável, a Região Metropolitana é cheia de lagoas e praias incríveis, o lugar é o berço do forró e as festas juninas são de tirar o fôlego. Para completar ainda mais o kit paraíso, moro numa vilinha que parece uma cidade do interior, com gente que se dá bom dia pronunciado com o D nordestino, velhinhas sentadas na porta de casa em cadeiras de balanço com treliças, índice quase nulo de crimes e o Morro do Careca, principal ponto turístico do Rio Grande do Norte, na minha vista da varanda.

No começo da pandemia, cansei de me gabar por estar curtindo a quarentena em praias desertas. Os números de casos de infecção eram baixos e a vida corria normalmente. Mas o cenário veio, aos poucos, mudando, e para pior. Hoje Natal tem fila gigante de infectados à espera de um leito de hospital, e quem arrisca ir a uma unidade de saúde fica dias sentado em cadeiras improvisadas e sem direito nem a um copo de água mineral. O governo baixou um decreto quase de lockdown, com multa a partir de 50,00 pra quem inventar de saracotear pelas ruas sem um motivo comprovável.

Estou agora definitivamente isolada em casa, observando de longe o Morro do Careca e, de perto, a minha pele, que parece estar prestes a voltar a me encaixar no grupo dos caucasianos.

Beijos,

Karin Villatore

24
abr

O mistério do afundamento craniano

moleira

Eu estava indo muito bem nessa quarentena, com a saúde mental em dia, emocionalmente estável, ansiedade sob controle, sem paranoias, sem sintomas de TOC como o de escrever seis frases curtas antes de um ponto final. Bem…Ok, ia eu muito bem até descobrir uma depressão no crânio, bem no alto da cabeça.

Passei a mão no cabelo e me arrepiei. Havia um sulco atravessando minha cabeça de orelha a orelha. Imediatamente tive tontura, turvação de vista, calafrios e sensação iminente de morte. Não, mentira, não tive, mas achei justo sentir tudo isso, não fosse eu uma pessoa altamente equilibrada. E isso também não é muito verdadeiro. Mas vamos aos fatos.

Minha mente racional considerou que se o caso fosse grave haveria no meu crânio uma protuberância e não um afundamento. Tumores e outras desgraças – como certos governantes e seus filhos – se projetam em vez de se retraírem, raciocinei.

Parti então para buscar na memória algum episódio que tivesse me causado um traumatismo craniano. Nada. Não caí, não bati a cabeça, não apanhei de ninguém…embora certamente não faltem pretendentes. E ainda sou capaz de encerrar um período com uma sequência de apenas três frases, e não seis. Ou seja, louca de atar também não estou, no momento.

Lá num remoto canto da memória encontrei a lembrança de que no alto da cabeça fica a moleira. Todos nascemos com esse espaço entre os ossos do crânio, que permitem nossa passagem pelo canal do parto. Mas a hipótese de ter reencontrado minha moleira depois de tantos anos também não vingou. Ela fecha ainda nos primeiros meses de vida. E já acumulo algumas centenas de meses desde aquela madrugada histórica para os Abrantes Boroni.

Apesar do choque, acabei dormindo. A noite torna tudo pior e achei que de manhã a questão teria se resolvido, eu retomaria meu cabeção em formato original.

De manhã, já havia esquecido do susto. Até que sentei pra trabalhar. Dividir o home office com o Cláudio, que reinava absoluto no ambiente há 20 anos, me obrigou a algumas providências, em nome da paz familiar e da produtividade. Uma delas é usar fones de ouvido, daqueles que isolam os ruídos exteriores. 

Passo o dia inteiro com eles, e apesar da proteção acolchoada, foi tempo suficiente para vincarem minha cabeça. 

Fiquei aliviada com o fim do mistério, por saber que não tem nada esquisito crescendo ou minguando no meu cérebro, por não ter de volta a moleira dos meus primeiros dias…E por saber que continuo podendo interromper meu fluxo de frases antes da terceira vírgula. 

Tudo sob controle na minha quarentena, portanto. 

Marisa

3
abr

Surtos e devaneios

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Temos um talento incrível para tentar prever o imprevisível. Eu mesmo posso até dar aula sobre como fazer isso. Posso formatar um curso e oferecer numa live insuportável do Instagram: como desgraçar sua cabeça e pensar no pior em 8 pequenos passos – um curso para a vida.

Tem gente que tem esse talento incrível para o bem. Consegue pensar positivamente no futuro e misteriosamente as coisas de fato dão certo. Tenho uma amiga que pensa tão positivo que hoje mora no Canadá, namora um canadense maravilhoso, conseguiu trabalho na própria área (jornalismo) e está feliz da vida em sua quarentena vendo a neve cair. Ela nunca duvidou que a vida seria boa.

Eu, não. Nessas épocas de coronavírus, pandemias e gente maluca, eu estou virando o mestre da previsão e das perguntas do futuro.

E se o dinheiro acabar? E se eu perder o emprego? E se o dinheiro acabar, eu perder o emprego e tiver que fazer um post no Facebook pedindo ajuda? Tem grupos no WhatsApp também, talvez seja uma boa. Pra quem eu posso pedir dinheiro emprestado? Bancos? E se eu passar fome? E a minha gata? Terei feno para meu porquinho-da-índia? Será que farei sucesso com meus vídeos no YouTube? Um dia eu vou morrer. Mais do que isso. Um dia todos que eu amo vão morrer. Qual o sentido? O capitalismo não faz sentido. O que nos espera após a morte? Mas uma coisa é certa: tudo vai dar certo. Mas e se não der? Eu deveria viver com menos? Por que não economizei? Deveria ter feito aquela viagem. O ser humano é triste. Vou conseguir comprar a ração boa pra minha gata? A areia dela está acabando. Será que eu poderei adotar uma criança? Tenho condição de adotar uma criança? Mas se eu não tiver dinheiro. A vida faz sentido? Será que se eu não tivesse saído de Matinhos agora eu seria um pescador ou um surfista? Nunca aprendi a surfar. Esqueci de comprar arroz. Por que o molho do macarrão ficou tão ruim? Minha desorganização será o meu fim. Posso aproveitar a quarentena para ler. Por que não consigo ler? Provavelmente até dezembro estarei falido. Devo começar a chorar? No fim tudo dará certo. Será que no fim tudo dará certo? O ser humano está destruindo o ecossistema.

Haja terapia.

Rodrigo

 

25
mar

Fique calmo, tudo vai dar certo

Largo da Ordem, em Curitiba, na manhã de domingo (22) de quarentena, sem sua tradicional feirinha. Foto: Franklin de Freitas

Quarentena no Largo da Ordem, em Curitiba, sem a tradicional feirinha de domingo. Foto: Franklin de Freitas

Todos nós temos ouvido (ou mentalizado) essa afirmação nos últimos dias: fique calmo, tudo vai dar certo! Quando 2020 começou, seria surreal pensar que neste ano a maioria dos países se fecharia em quarentenas para evitar a contaminação por um vírus que desconhece fronteiras, resiste por horas a fio em todas as superfícies e coloca a população idosa em alerta permanente.

Pois bem, em menos de um mês as Olimpíadas de Tóquio foram adiadas, assim como os maiores eventos esportivos e comerciais do globo, a Disney e todos os pontos turísticos dos Estados Unidos e da Europa fecharam. Aliás, os aeroportos e fronteiras também. E as divisas de estados. E de cidades. 

Toque de recolher, estado de calamidade, tudo isso saiu dos livros de história e tomou conta do nosso cotidiano. Ironicamente, faz exatamente um século que a Gripe Espanhola arrasou o mundo, e olha que as formas de se espalhar vírus naquela época eram muito mais reduzidas do que hoje…

O isolamento é necessário, lavar as mãos, passar álcool gel sempre que voltamos da rua – para comprar o essencial no mercado e na farmácia, nada de abusar e ficar zanzando por aí. 15 dias, três semanas ou talvez um mês. Há quem queira acabar com a quarentena o quanto antes, pensando nos danos econômicos de um lockdown extenso. Consensos parecem não existir, nem aqui nem na China. Muito menos na Itália. Dio mio!

Sei que é chato relembrar nessa reflexão o que todos estamos cansados de ler, ver e ouvir diariamente nas últimas semanas. Mas tenha em mente que tudo vai dar certo, mais cedo ou mais tarde! Quando o pânico bater, se acalme, respire fundo, medite ou ouça uma música que te tranquilize. Veja um filme ameno, maratone aquela série para a qual você nunca tinha tempo. Na verdade, pensando bem, acho que a afirmação mais adequada ao momento seja aquela máxima: “Espere pelo melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier”.

André Nunes

5
mar

13 anos

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Hoje é dia de celebrar! A Talk completa 13 anos. E nós temos orgulho de participar dessa jornada que é vivida com muita dedicação e alegria. Até aqui, contamos diversas boas histórias, firmamos parcerias vitoriosas e fizemos grandes amigos. E é assim que queremos continuar.

Vivemos grandes mudanças na comunicação empresarial e evoluímos junto com o mercado. Por isso estamos sempre inventando moda. Em breve, apresentaremos novidades para vocês.

Obrigada a todos que acreditam no nosso trabalho.

Beijos,

Aline Cambuy e Marisa Valério

10
fev

Intensivo

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Bem, esse ano começarei uma nova faculdade (Deus me ajude). É a resolução máxima de 2020. O curso escolhido é o de Letras Português/Inglês e será um complemento a minha atual profissão de jornalista. Mas não é sobre isso que eu quero falar nesse post.

Há uma semana comecei um intensivo de inglês para poder alcançar a fluência (que é algo bem trabalhoso e nada rápido) e o negócio está… como posso dizer? Bem intenso!

Fazia tempo que eu não emendava trabalho e mais outra atividade que envolvesse raciocínio diário por quase 4 horas após o expediente. Quando chega às 22h, eu já estou só o pó da gaita. Mas o negócio é intenso também because I wake up pensando em english, escovo os dentes pensando em english e passo o day pensando em english.

One of those days mesmo, logo após sair do curso, fui pegar o ônibus para voltar para home e, ao invés de dizer “oi” para o motorista, eu disse “hello”. Ele ficou me olhando como se eu fosse um idiot. Another day I went to falar com a recepcionista da escola para tirar uma picture para o cadastro da matrícula e acabei falando “WAIT A MINUTE” quando ela pediu para eu me posicionar em frente à câmera.

Well, mas isso é sinal de que everything is going right, certo? É claro que eu ainda tenho um longo caminho pela frente. Afinal, alcançar fluência é um processo árduo e cheio de highs and lows. Tem dias em que eu dou uma surtada legal e digo que nunca vou aprender essa joça, mas no fundo estou feliz com as conquistas até aqui. Keep going e não vamos desistir.

Kisses,

Rodrigo de Lorenzi

23
jan

Vem aí os anos 2020

2020

Discussões à parte sobre a nova década já ter ou não começado (dizem que só em 2021), o fato é que esta última virada de ano causou uma nostalgia forte em todos que já somam algumas décadas de vida e memórias.

Eu nasci logo no começo dos anos 90, em fevereiro de 1991,  ano que ficou eternizado pelo fim da Guerra Fria com a queda da União Soviética. Aos 10 anos, portanto, vi a chegada dos anos 2000. A virada do milênio e o medo do “bug” que nunca veio também permearam as lembranças do jovem estudante que teve a exibição do seu desenho animado na TV interrompida pela transmissão, ao vivo, dos terríveis ataques do 11 de setembro.

Já a terceira virada de década se deu quando entrei na faculdade, em 2010. Mas foi a primeira vez que estava consciente de que um novo decênio se iniciava. E que 10 anos intensos foram eles! Amadureci, fiz um intercâmbio, me formei, conheci outros países, trabalhei em redações de rádios, jornais e agências de comunicação e, quase no apagar das luzes de 2019, me casei.

2020 vai ser a década da chegada da minha geração aos 30. Pois é, a criançada que gostava de Pokémon, via Angélica, TV Colosso e adorava Sandy & Junior vai “trintar”! Tem sobrinhos e filhos de amigos chegando cada vez mais, bem como a “consolidação”, por assim dizer, dos planos de carreira de boa parte daqueles que nos rodeiam.

Que seja uma década proveitosa, de preferência melhor que os anos 2010, em que tantos tumultos tomaram conta do país. Afinal, esperança temos de sobra! Gostamos de reflexões nostálgicas, ao mesmo tempo em que queremos ver logo carros voadores – ciência, você nos prometeu…

André Nunes

17
jan

Intimidade

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Assumi as saudades como um elemento constante dentro de mim, que às vezes sinto quase como uma dor física no peito. Como as saudades que sinto de Portugal. É o país em que morei por um período da minha vida e que sempre esteve comigo, por meio das histórias do meu avô, imigrante da Ilha da Madeira. No ano passado, pude retornar ao país lusitano e à cidade em que vivi, Coimbra, que não por acaso inspirou o fado “Saudades de Coimbra”, do poeta José Afonso.

“Ó, Coimbra do Mondego

E dos amores que eu lá tive

Quem te não viu anda cego

Quem te não amar não vive”

E o clássico fado “Balada da Despedida”, criado pelo poeta e compositor Fernando Machado Soares.

“Coimbra tem mais encanto, na hora da despedida.

Que as lágrimas do meu pranto, são a luz que lhe dá vida.

Quem me dera estar contente, enganar minha dor.

Mas a saudade não mente, se é verdadeiro o amor”

Só de ler essas palavras já me afloram as saudades outra vez.

Coimbra é uma cidade de passagem para a maioria das pessoas que vivem ou viveram lá. A maior parte dos moradores são estudantes que vão à Universidade de Coimbra, como foi meu caso, e que após um período de estudos e das vivências alegres da juventude pelas ruelas da cidade, voltam para suas casas em outras partes do país ou do mundo.

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Passei apenas um dia e meio em Coimbra durante minha última viagem — cheguei lá no dia do meu aniversário de 27 anos, o que tornou a data ainda mais especial para mim —, mas foi o suficiente para meu peito se renovar de amores por aquele lugar.

Fiquei emocionada ao pisar novamente naquela que foi a minha cidade anos antes. Foi com muita alegria que novamente cruzei a ponte de vitrais coloridos sobre o Rio Mondego, subi e desci as infindáveis ladeiras da cidade, parei para tomar uma ginjinha em uma tasca e comemorei a idade nova com um expresso e um pastel de nata com muita canela em um dos cafés nas redondezas do Largo da Portagem.

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Caminhando pela Baixa de Coimbra, passei em frente ao predinho em que vivia, uma residência estudantil que abriga algumas dezenas de estudantes de várias partes do mundo e, para minha sorte, encontrei um dos proprietários do local, o Miguel, ali em frente. Após conversas sobre os velhos tempos, ele me deu a chave para que eu pudesse entrar e relembrar os momentos em que vivi ali. Como foi bom poder novamente subir aquelas escadas, caminhar por aqueles corredores que seriam tão comuns para alguns, mas cheios de significados e memórias para mim.

Quando eu e meus colegas de residência vivemos ali, anos antes, havia duas ou três fotos em uma grande parede de um grupo de pessoas que moraram ali antes da gente. Antes de cada um voltar para suas cidades e países de origem, colamos várias fotos de momentos nossos por ali também. Eu me questionava se aquelas imagens continuariam ali, anos depois, e sim, lá estavam elas, agora ao lado de dezenas de outras fotos de quem morou ali nos anos posteriores.

Recebi muitas mensagens de amigos que viveram comigo naquele período quando viram algumas fotos que postei do nosso antigo lar. Com uma amiga, que era a mais próxima quando vivemos ali, falei sobre tudo o que eu senti de volta a Coimbra, e ela falou sobre como, mesmo anos depois, a cidade ainda continuaria nos sendo íntima.

Gostei de pensar o conceito de intimidade para uma cidade. Na verdade, esse adjetivo foi o que melhor descreveu o que senti nesse breve retorno. Sinto que, mesmo passado o tempo, Coimbra continuará sempre íntima, com suas ruas de pedra que estão lá há séculos, as casinhas e prédios tipicamente portugueses, a tranquilidade da vida. Muda-se algo do cenário, muito dos moradores, mas, no fim, é sempre como reencontrar uma velha amiga que amamos. Eu guardo meu afeto por ela, e ela minhas lembranças vividas ali, tão doces quanto licor de ginja.

Stephanie D’Ornelas

9
jan

A multa e o luto

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Recebi uma multa. Não foi uma qualquer, mas sim uma “infração gravíssima ao artigo 280, parágrafo terceiro do Código de Trânsito Brasileiro”. Para os não entendidos, o condutor infrator, vulgo eu, foi flagrado fazendo uso de telefone celular com o veículo em movimento. Veículo em movimento, segundo o CTB, é qualquer carro que não esteja estacionado apropriadamente com o motor desligado (meu nazista gramatical interior grita).

No momento que recebi a notificação de autuação já comecei a desacreditar do carteiro. “Não, você não pode estar fazendo isso comigo!”, dizia eu incrédulo. “Mas eu sou só dos Correios, moço”, respondia o rapaz de azul e amarelo inocentemente constrangido. “Eu não posso estar recebendo uma multa I-D-Ê-N-T-I-C-A à de um mês atrás. Eu mereço!”, saí vociferando, praguejando e mancando, visto que estou com o pé quebrado.

Nisso minha cabeça fervilhava. O universo estava de sacanagem com a minha cara. Já não basta estar preso em casa, com o pé quebrado, um calor dos infernos, ainda me vem outra multa. Ainda por cima um repeteco da anterior, nem para serem originais! Malditos periquitos, câmeras de trânsito e delatores de infratores de trânsito. Que vocês passem a eternidade pisando em legos e batendo o dedinho na quina da mesa.

Para completar a tragédia só faltava agora começar uma terceira guerra mundial ou termos a volta do Roberto Carlos nos especiais de Natal. Comecei a relembrar de todas as catástrofes que assolaram a minha vida, desde a tia da cantina me dizer que tinha acabado a coxinha lá pelos meus 11 anos, até todos os vídeos de alguém maltratando animais. O mundo está perdido!

Mas, talvez nem tudo estivesse perdido. Quem sabe a minha situação fosse passível de salvação. Passei a procurar freneticamente alguma forma de não pagar a multa. Vasculhei a internet e mandei mensagem para vários conhecidos esperando alguma resposta para o meu dilema… afinal, eu era uma pessoa boa, não poderia estar acontecendo isso comigo. Tentei lembrar quem poderia assumir os pontos. Cogitei pedir patrocínio familiar para dividir as despesas. Enfim, tudo isso num intervalo de 15 minutos de autonegociações.

Foi então que me bateu a triste realidade: eu teria que arcar com as consequências dos meus atos, como gente grande. “É, mané, agora você vai ter que dominar essa bola no peito e assumir a bronca. Não foi você o bonzão que não conseguiu esperar até estar fora do carro para olhar o zap zap? Então. Te vira! Dá teus pulo!”

Não sei vocês, mas a minha voz interior faz bullying comigo. Eu a imagino como um daqueles atores de filmes de ação: dois metros de altura, 120 quilos de puro músculo e poucas palavras para dizer, exceto meia dúzia de frases de efeito. Ou quem sabe minha voz interna seja o Mano Brown do Racionais MC.

Mas daí o meu lado suscetível veio à tona. Relembrei de todos os momentos em que a vida tinha me derrubado do meu unicórnio lilás, como diz o Leandro Karnal. Senti de novo todas as tristezas de todos os castelinhos de areia que construí com as minhas expectativas de vida. “Nada dá certo pra mim, mesmo! Minha existência é uma mentira! Leave Britney alone!”, dizia meu outro eu interior que mais parece uma adolescente fã de Hanson quando descobre que eles estão velhos demais para responder às 673 cartas de amor enviadas 20 anos atrás.

Foi quando uma outra voz interna, esta bem mais racional, sensata e madura, me disse: “Ei, já deu. Toda ação tem uma reação, não adianta espernear nem querer chantagear o universo. Tudo acontece por um motivo. Senta, reflete e só aceita”, disse meu eu interno que mais parece uma astróloga ou psicóloga transpessoal de quarenta e poucos anos com aquelas roupas indianas e sandália de Moisés. E sabe que a moça aqui de dentro tinha razão? Parei. Devo, não nego, pago quando puder. Só tenho que andar na linha por um tempo agora para não perder a carteira, parar de ser tão cabeçudo e passar a respeitar as leis de trânsito. Uhul, estrelinha para mim.

Antes que eu comece um diálogo entre o Mano Brown, a fã do Hanson e a psicóloga transpessoal, quero dizer que depois disso tudo eu tive uma epifania: Eu acabei de superar o luto pela multa de trânsito!

Você provavelmente já ouviu falar que quando perdemos um ente querido passamos pelo processo do luto. A tristeza, a negação, a raiva e a falta de aceitação hoje são sentimentos bem conhecidos e reconhecidos por aqueles que já sofreram alguma perda. Isso se deve ao trabalho da psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, autora do livro On Death and Dying, em que apresenta o modelo que leva seu nome. Este modelo descreve estágios pelos quais passa uma pessoa quando lida com perdas, luto e tragédias. Eles se tornaram populares e são conhecidos popularmente como Os Cinco Estágios do Luto: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Reconheceu algum no meu relato ali em cima? Muito bem, continue.

Neste ponto você deve estar se perguntando: “Mas que diabos o luto tem a ver com uma multa de trânsito?” Eu explico. Kübler-Ross, ou Bete para os íntimos, explicou que esta metodologia aplica-se a qualquer forma de perda pessoal “catastrófica”. Além disso, também alegou que nem todo mundo passa por todos os estágios ou nesta ordem específica, mas que todos experimentam pelo menos dois.

No meu caso, tudo aconteceu num intervalo minúsculo de tempo, com alguns surtos psicóticos internos das vozes na minha cabeça e coceiras dentro da bota que está aprisionando meu pé numa existência horrível. Porém, é bem nítido que os aspectos do luto descritos pela Bete podem se encaixar nas mais variadas situações da vida, não precisa ser só no velório daquele tio, a que sua mãe obriga a ir mesmo sabendo que você só o viu duas vezes quando estava de fralda e aparentemente arrancou um tufo de cabelo da orelha dele com um golpe de gengiva.

Existem nuances diferentes da importância das coisas para as pessoas, os indivíduos têm histórias de vida, formações e aptidões diferentes entre si. Não podemos colocar todos em uma caixinha só, mas podemos destruir as caixinhas e perceber que tudo pode se aplicar a todos em alguma situação ou momento, e tudo pode ser compreendido de uma forma mais leve, inclusive o luto.

Câmbio, desligo.

Lucas Jensen