Lembro da primeira eleição em que participei ativamente. O ano era 1996 e eu tinha pouco mais que meia dúzia de anos. Isso porque a novidade da urna eletrônica fez com que minha avó Zilá me pegasse no colo e me deixasse digitar os números e apertar o botão verde.
Foi sensacional. Me senti super importante, no entanto, morri de medo que minha avó fosse presa já que todos diziam que o voto era secreto. Na minha cabeça, ser secreto era sinônimo de não poder falar de jeito nenhum em quem votou, sob pena de passar umas noites no xadrez. Ela abriu o jogo do voto justo comigo, que corajosa, pensava.
Não foi o caso. Voltamos para casa lépidas e faceiras e com o dever cumprido. Eu não sabia qual estrago minha avó tinha me permitido fazer, só descobri depois de adulta que aqueles candidatos eleitos pelos meus dedinhos eram os piores possíveis. Só então entendi o sentido de “secreto”. Boa vó, obrigada por mais essa!
Nessas descobertas todas, entendi que eu podia pensar diferente da minha avó e continuar amando-a sem que houvesse brigas de foice, ameaças de morte, injúrias, difamações e frases preconceituosas envolvendo os candidatos que ela escolheu, sua idade, peso e local de nascimento.
Nessas eleições, lá se vão 15 anos sem a vó Zilá e quase 20 do dia em que apertei os botões por ela. E o que mais me surpreende é que, atualmente, parece que todos nós ainda temos aquela mesma meia dúzia de anos que eu tinha ao discutir sobre política.
Agressões, argumentos sem fundamento, papo furado, sociologia a partir do seu próprio umbigo, achismos, Facebook como muro de lamentações/diário/ai meu Deus quero sair daqui/você não presta/vou te deletar. Além, é claro, do “bom e velho” preconceito racial, social, de gênero e regional. Pérolas da tecnologia que te permite ofender sem ter que mostrar sua cara e criar um discurso plausível com mais de 140 caracteres. Acho que você não entenderia, vó.
Dia desses um primo meu me disse que “havia feito a sua parte” na eleição. Entendi completamente o que ele dizia, no sentido de querer o bem para todos, garantir direito de minorias e um estado laico de fato. Mas foi aí que me veio o clique: a grande questão é que todos nós, do alto do nosso puerilismo político cremos piamente que fizemos “a nossa parte”.
O que será que é fazer a nossa parte quando somos mais de 200 milhões? Estou longe de ser Pollyanna, mas acredito em uma sociedade de fato laica. Acredito no próximo, ainda que não tenha nascido no mesmo local que eu. Acredito mais em pobres que em ricos, é verdade, mas acredito.
Acredito que minha religião ou não-religião deve ser respeitada. Creio que meus irmãos, que infelizmente não puderam desfrutar da presença da dona Zilá, possam viver em um país igualitário. Assim como meus filhos e até mesmo eu quando tiver a idade da minha avó.
Se eu tivesse o mesmo tempo de TV e rádio que os candidatos têm, aproveitaria para pedir que a gente seja menos massa e mais críticos. Que haja mais proposta e menos falação. Menos partidários e mais pensantes. Mais tolerância, capacidade de colocar a cabeça no lugar para analisar o que vem por aí.
Não queria que vibrassem com um debate que vai e vem e acaba caindo em ofensas pueris. Quando vejo esses memes nas redes sociais penso logo em: a bola é minha e você não brinca mais.
Somos tão jovens, com apenas 514 anos temos muito o que aprender sobre respeito, cidadania e tolerância. Precisamos fazer terapia coletiva para entendermos a nós mesmos. Compreender sobre democracia, esse direito que nos foi dado há tão pouco tempo e que ainda não sabemos usá-lo. Sigamos, brasileiros.
Será que continuo sendo aquela mesma criança que apertou os botões em 1996? Tomara que sim. Beijo, vó!
Marina Oliveira
Boa, menina Marina! Gostei de ver (ou de ler, no caso).