Arquivo mensais:julho 2019

30
jul

Cozinhe com afeto

 

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Cozinhar é uma terapia, não tenho dúvidas. Mas embora eu saiba fazer o básico na cozinha, não me considero uma pessoa criativa capaz de inovar em um almoço ou jantar do dia a dia. Se preciso passar no açougue para comprar uma carne só consigo pensar em peito de frango e carne moída. Muitas vezes ainda prefiro fazer ovos com ervilha, abobrinha ou apenas cozidos mesmo. Sou prática e gosto de fazer comida de uma panela só. Macarrão com molho e arroz de forno estão entre as minhas especialidades. E, se puder escolher entre cozinhar e lavar a louça, sempre ficarei com a louça.

Mas o cenário muda completamente quando o assunto é sobremesa. Ah, como eu amo as sobremesas. Sou capaz de inventar um delicioso doce com poucos ingredientes e sem receita. Sempre que me perguntam o que fiz para um bolo ficar tão fofinho, bonito e apetitoso não tenho resposta. Não sou capaz de saber nem ao menos quantas xícaras de farinha usei para fazer a massa. Faço sem medidas mesmo, customizo as receitas da internet, e no final normalmente dá certo.

Quando eu era criança, minha avó deixava ajudá-la na cozinha. Foi ela quem me ensinou a fazer sozinha meu primeiro bolo. Ela tinha um caderno de receitas manuscritas com recortes de imagens de jornais e embalagens. Um capricho só. E são essas memórias que me inspiram.

Acho que o principal segredo é cozinhar com afeto. Fazer aquilo que gosta e, de preferência e se possível, apenas quando tem vontade. Melhor ainda se for para quem você gosta. Quer coisa melhor do que a alegria de uma criança quando uma nega maluca sai do forno?

Aline Cambuy

19
jul

A lista da pá

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Tem uma autora de quem eu gostava muito quando era bem novinha: Marian Keyes. Não que eu tenha deixado de gostar dela, mas agora me parece que as histórias se arrastam demais – ou posso apenas estar ficando velha e chata. Marian sempre traz temas fortes, como abuso de drogas, aborto, luto, estupro, abandono… Mas todos tratados em histórias que, fora a temática, têm personagens hilárias, bem construídas e com passagens engraçadíssimas.

É o caso da Helen, uma das irmãs Walsh. Vários livros trazem as mulheres dessa família, irlandesas que vivem dramas tocantes e são meio amalucadas. Para resumir, Helen, ao longo dos livros lançados, passa de adolescente linda e pentelha a adulta sagaz. Ela se torna detetive particular e por seu humor peculiar já levou mais de um livro nas costas. Não vou ficar aqui dando spoiler, exceto um: a lista da pá, que aparece no livro “Chá de Sumiço”.

A Helen criou uma lista mental em que ela coloca absolutamente tudo e todos em que ela gostaria de bater com uma pá. Simples assim. Nem que não dê para bater com uma pá literalmente. Desde que li esse livro, obviamente criei a minha lista da pá. Figuram nela: qualquer produto com cheiro de lavanda; o filme “Vende-se esta casa”; atendentes de call center mal-educados ou mal-informados (caos center); pessoas que falam perto demais; as últimas temporadas de The Walking Dead; entregadores do Uber Eats que derrubam sua pizza no chão antes de entregar; parentes que te excluem por opinião política divergente; computador que trava (esse está no topo da lista); batata-frita mole; paralisia facial; macarons; canetas que falham; roupa apertada; fake news; gente que não dá seta no trânsito; pessoas escrotas no geral; chuveiro que não regula; tampas que não abrem facilmente; produtos para canhotos que nunca são práticos; benzetacil; mosquitos; crossfit – e muitas outras coisas que é melhor nem listar pra não gerar muita polêmica.

Agora desafio você a fazer sua própria lista da pá. Garanto que você vai se divertir justo com o que mais detesta.

Luciana Penante

10
jul

Palavras são pequenas demais para descrever o amor pelas palavras

PalavrasVazias

Nos últimos anos comecei a pensar realmente em quanto gosto de palavras. Eu já desconfiava que gostava de ler e escrever quando escolhi o jornalismo como profissão, mas não imaginava que encontraria um jeito tão peculiar de adotar palavras específicas como prediletas. Inclusive predileta é uma das minhas palavras favoritas.

Eu me pego rindo sozinho das maluquices, bisbilhotagens e idiossincrasias presentes na nossa língua. Quando tenho fome, lembro dos quitutes e guloseimas preparados por minha vó, sempre em suas cumbucas de madeira. Na rua, a atenção se volta para os paralelepípedos e os períbolos, que nada mais são do que o espaço entre os edifícios e os muros.

As palavras me confortam em todos os momentos. Se estou rindo, elas podem expressar júbilo, deleite ou regozijo. Se triste, logo vêm para representar meu desalento, infortúnio e melancolia. Por sinal, esta última é o título de um ótimo filme. Contudo, se estou com raiva, as palavras parecem me faltar. Penso, repenso, trepenso…mas as minhas favoritas não pululam na lembrança. Droga! Somente dois dias depois é que me lembro dos substantivos requintados para referir-me ao indivíduo responsável pelo meu lamento, como: biltre, calhorda, paspalho e salafrário. Merecendo até um safanão.

É muito peculiar a forma como podemos montar um texto e titerear as palavras como personagens de um contexto muito maior. As palavras ‘fulguram’ na mente como chamas a bruxulear, sibilantes, sussurrando: sou importante. A pantomima da imaginação se desenrola de forma tão natural quanto um bordão. Eu me perco nos pirilampos sassaricando pelo pensamento e quase esqueço de voltar para a realidade mequetrefe. Tédio.

Infelizmente, atualmente, a minha mente somente se vê descrente com a crescente utilização de neologismos e estrangeirismos, principalmente na área da comunicação. Eles me incomodam tanto ou mais do que a você com a sensação de eco e repetição na última frase. É muito job, paper, meeting, call e budget para pouco afazer, artigo, tertúlia profissional, ligação e orçamento. Fico iracundo.

Porém, não declaro guerra a expressões em línguas estrangeiras. Aliás, diga-se de passagem, meu devotamento às palavras não se restringe ao português. Belezas como bibelot e wanderlust não se encontram todo dia. Até expressões como levar o Bernardo às compras, dos nossos irmãos lusitanos, têm lugar cativo no meu coração.

Deixe-me ir. Já perdi muito tempo. A procrastinação é uma presença constante nos devaneios diários. Já passei por tantas oscitações, paradigmas e clichês que voltar aos afazeres me parece tarefa hercúlea, tanto quanto soletrar a doença de quem aspira as cinzas de um vulcão: pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico!

Lucas Jensen

3
jul

Memórias artísticas

museus

Muitas exposições de arte me marcaram em diferentes fases da vida. Ainda me lembro de quando, aos 14 anos, visitei o Museu Oscar Niemeyer pela primeira vez — creio que foi, na verdade, uma das minhas primeiras visitas a um museu na vida. Fui para lá com a minha família e me surpreendi ao ver que havia uma exposição de um artista tão conhecido. Era a mostra “Picasso: Paixão e Erotismo”, que contava com dezenas de gravuras feitas pelo mestre espanhol.

Mais ou menos na mesma época tive meu primeiro contato com a arte contemporânea. Em uma atividade extraclasse da disciplina de educação artística, fomos ao Museu Alfredo Anderson e uma obra em particular chamou minha atenção. Tratava-se de um grande amontoado de geleca branca, que os visitantes podiam tocar. Então aquilo também poderia ser arte? Para mim, então uma adolescente descobrindo as possibilidades artísticas do mundo, aquilo parecia revolucionário.

As aulas de educação artística do colégio sempre estiveram entre as minhas preferidas, e as minhas primeiras visitas a museus inauguraram minha vida curiosa por exposições de arte ao redor do mundo. Muitas obras me marcaram especialmente: ver “Guernica”, imensa, na minha frente, no Museu Reina Sofia; observar pessoalmente, e não somente em livros de história, “A Liberdade Guiando o Povo”, no Louvre; andar, emocionada por tanta beleza, pela Sagrada Família, de Gaudí, iluminada pelas sombras coloridas produzidas pelos vitrais.

Muitos museus são jóias por si só, e dentro deles nos sentimos como em outro universo, vasculhando a vida e obra de um artista específico. Como o Museu de l’Orangerie, em Paris. Ali, o tempo e as cores são diferentes do mundo exterior: tudo ganha o ritmo e os tons de Monet. Os imensos painéis das ninfeias do artista francês cobrem as paredes arredondadas, que nos cercam como um abraço. O museu é um dos muitos cenários encantadores que compõe o filme “Meia Noite em Paris”, de Woody Allen.

Recentemente, tive a oportunidade de visitar o Museu Van Gogh, em Amsterdam. É praticamente impossível não conhecer pelo menos as obras mais famosas de Van Gogh que são referenciadas em milhares de livros, fotografias e releituras compartilhadas em sites e redes sociais. Suas artes inspiram também produções cinematográficas, como ‘Love Vincent’, uma animação produzida totalmente a partir de telas a óleo inspiradas na obra e vida do artista holandês. A produção, que contou com a colaboração de mais de 100 pintores, ganhou ainda mais destaque após concorrer ao Oscar de Melhor Filme de Animação em 2018.

Percorrer as salas do Museu Van Gogh é enriquecedor para qualquer pessoa que tenha interesse em arte. As obras estão expostas em ordem cronológica, o que permite que tenhamos uma compreensão da evolução do pintor em seu curto (porém extremamente frutífero) período de produção. Ver as obras de Van Gogh pessoalmente foi uma experiência inesquecível. As texturas e as cores que ele obteve para suas pinturas nunca serão igualmente reproduzidas em meio online ou impresso. Ao vivo podemos apreciar cada detalhe de seus azuis vibrantes, verdes intensos e vermelhos radiantes. Guardo comigo, em um lugar especial, o amarelo que reluz como ouro de seus girassóis.

Stephanie D’Ornelas