Arquivo mensais:outubro 2014

29
out

Um desabafo

Vou estar falando uma coisa para vocês: não vai estar sendo fácil ser cidadã do mundo nos próximos anos. Sim, o gerundismo é proposital. Dizem por aí que política, religião e futebol não se discutem, mas o que mais estão fazendo por aí é isso, discutir política, religião e futebol. Se fosse só discutir, estaria valendo, mas o pessoal não se contenta com isso e parte pra briga, pra luta, pra falta de respeito e beira à loucura querendo expor e ditar sua opinião a todo custo. Gente, peraí, não vivemos em uma democracia não?

Dilma-x-Aécio

Sou adepta da frase que posso não concordar com o que uma pessoa diz, mas defenderei sempre o direito que essa mesma pessoa tem em dizer o que pensa, com o devido respeito, obviamente.

Todo o processo eleitoral este ano mostrou uma coisa: o povo brasileiro não respeita e não sabe conviver com opiniões que são diferentes. E digo mais, não somente opiniões, tudo que difere do nosso próprio umbigo está errado: não gostamos de gays, somos contra o casamento de pessoas do mesmo sexo, não gostamos de nordestinos, criticamos os pobres, detestamos lésbicas, temos pavor de negros, haitianos e angolanos, não gostamos de gente que trabalha em obras, não curtimos muito o movimento feminista. A gente também não gosta muito de crentes e nem de ateus, aliás, ter religião tá meio ultrapassado.

Em contrapartida, a gente também não gosta de gente que se dá bem na vida, é um crime nesse país ganhar um pouco de dinheiro e ter uma vida confortável de maneira honesta. É um absurdo ser empresário e achar os impostos caros, é péssimo ter condições de comprar um carro do ano, ser inteligente e ter opinião própria vai contra os princípios culturais, ser loira é muito démodé, ser morena tá fora de moda, ser gorda é ruim, ser magra é sinal que você é anoréxica. Gente, parem, pelo amor de Deus, simplesmente parem.

Após a vitória da Dilma, vi os mais absurdos comentários preconceituosos de ambos os lados, tanto do pessoal do PT dizendo que quem votou no Aécio era “playboy, rico, coxinha e não gostava de pobres” (não vou escrever aqui as palavras de baixo calão pois tento ser educada), como dos peessedebistas de plantão, falando que “os nordestinos estragam o país e somos a favor do movimento separatista”. Nada a comentar, absolutamente nada. Todas as palavras e argumentos seriam inválidos diante de tamanha falta de respeito.

Reproduzo aqui, com todo o respeito do mundo, a minha humilde opinião. Minha posição política eu deixo clara para algumas (poucas) pessoas. O que desejo é muita sorte para os brasileiros. E que a presidente reeleita faça uma boa gestão, todos os brasileiros vão precisar disso. Abaixo um dos decálogos mais famosos que conheço, que acredito trazer boas lições de governo.

O decálogo de Abraham Lincoln

Você não pode criar prosperidade desalentando a Iniciativa Própria.
Você não pode fortalecer ao débil, enfraquecendo o forte.
Você não pode ajudar os pequenos, esmagando os grandes.
Você não pode ajudar o pobre, destruindo o rico.
Você não pode elevar o salário, pressionando a quem paga o salário.
Você não pode resolver seus problemas enquanto gasta mais do que ganha.
Você não pode promover a fraternidade da humanidade, admitindo e incitando o ódio de classes.
Você não pode garantir uma adequada segurança com dinheiro emprestado.
Você não pode formar o caráter e o valor do homem lhe tirando sua independência (liberdade) e iniciativa.
Você não pode ajudar aos homens permanentemente, realizando por eles o que eles podem e devem fazer por si mesmos.

Fabíola Cottet

23
out

A Casa dos Hippies

Não há pessoa que passe pela Rua Rosa Saporski em Curitiba que consiga ignorar a casa mais fora do tradicional o possível, que eu e amigas da época de escola apelidamos carinhosamente de Casa dos Hippies. Situada nas Mercês, bairro tradicional da cidade, e em meio a vários sobradinhos sóbrios e austeros que lembram um condomínio europeu, a casa amarela se destaca. Seja pelas árvores nunca podadas, pelos símbolos esotéricos espalhados pela calçada ou pela bunda – sim, uma bunda – pintada num tronco em frente a casa, a construção é digna de olhares curiosos. E não só dos moradores do bairro – segundo a dona, ônibus cheios de turistas já pararam por ali para fotografar.

casa

Pregada no muro, uma placa avisa “Cuidado, cão bravo”, mas quem vem latindo quando se toca a campainha é uma cadela linguicinha. Quando se passa pelo portão da casa, logo se nota a calçada, que parece feita dos ladrilhos de brilhante daquela canção antiga, mas que, na verdade, é de granito reciclado. Um carro branco tão excêntrico quanto tudo ali fica estacionado no fundo da garagem cheia de cacarecos. Parece uma mistura de Kombi com um daqueles carros-fortes que carregam dinheiro. Onde deveria ser o jardim, há quase que uma pequena floresta, com várias árvores plantadas, dentre elas uma macieira e uma pereira. Na frente da casa, além do muro, um misto de mudas encobre um banquinho, disponível para qualquer um, corajoso, diga-se de passagem, sentar-se lá.

Qualquer um que entra na casa se vê num relicário de histórias perdidas. Violões pendurados, relógios antigos, cassetes doados por uma locadora quando esta modernizou o sistema para o DVD, uma coleção completa de anõezinhos que vinham no Kinder-Ovo nos anos 90 e uma quantidade absurda de televisões e cabos eletrônicos espalhados pelo chão, pelo teto, pelas paredes.  Cada objeto da casa tem seu valor, não financeiro, mas emocional. A casa tem ao todo quatro estreitos andares, e no terceiro existe um tesouro inestimável. Uma maquete de uma cidadezinha imaginária construída pelo filho engenheiro do casal toma conta do aposento. Confeccionada com perfeição, tem cada detalhe muito bem pensado.

O andar acima é um desafio, até para conseguir alcançá-lo. Para até lá, há uma escada na parede nem um pouco indicada para quem tem medo de altura. Mas o risco de subi-la vale, e muito, a pena. Um quartinho minúsculo cujo teto é todo decorado de painéis eletrônicos, chips de computador e tudo mais, faz com que o ambiente pareça uma nave especial. Uma luneta gigante cor de cobre fica guardada ali, e quando dá, o casal vai ao terraço para observar o céu à noite.

A maior parte das coisas foi reformada pelo dono da casa, o verdadeiro colecionador das traquitanas e tralhas, visto que pela esposa a bagunça não seria tanta – “a gente não dá conta de arrumar tudo”, diz ela. Quem os vê na rua não imagina que morem numa casa assim. Ele, um homem já grisalho e um pouco fora de forma, de diferente tem no máximo as mãos, que tem alguns dedos faltando. Já ela é uma senhora fofa, com bochechas rosadas e cabelos pretos cortados bem curtinhos, que carrega sempre uma corrente com pingente em forma de cruz. Casados desde o antigo colegial, os dois vivem ali há 38 anos e não levam uma vida muito fora dos padrões: têm dois filhos, que já moram em outros lugares, a cadelinha e alguns gatos espalhados pela casa. E, ao contrário do que muitos pensam, a casa também não tem mistério. “O que você tem que saber, é que nós não gostamos de ter nada igual ao dos outros, por isso a casa é assim”, declara o dono, com um orgulho que se vê nos olhos.

Hoje, a casa já faz parte do coração daquela parte das Mercês. Se um dia algum vizinho acordasse e não a visse mais lá, certamente perderia a fome de tomar café. A rua perderia o brilho e o colorido. A Casa dos Hippies faz algo mágico: desperta a curiosidade e o espírito de aventura presente em cada um que passa por lá. É impossível não sentir vontade de pular o muro e explorar. Quando alguém passa, certamente se pergunta “Quem é que mora nessa casa tão bizarra? Um louco, uma bruxa, um hippie?” Mas acontece que não é nada disso, mora lá o homem grisalho e a senhora fofa, num mundo que, para eles, não passa de normal.

15
out

Brasileiro gosta mesmo é de rivalidade, né?!

O brasileiro é um povo esquisito, chato (desculpem por generalizar tanto). Quando o assunto é futebol, religião e, a cada dois anos, política, prepare-se pois, como diriam na minha cidade, a pequena Tuneiras do Oeste, no interior do Paraná, “o coro vai cume na casa do Noca”. Nas redes sociais é praticamente impossível se manifestar ou debater esses temas (e especialmente a política nesse período) em um bom nível e sem encontrar inúmeros exemplos de intolerância, ignorância e porque não, burrice!

O meu time e a história dele são superiores a qualquer um, ninguém chega aos pés do meu ídolo, minha torcida é a melhor e fazer piada com o nosso mascote é desrespeito. O rival? Só uma palavra pra ele: “#$%&_)@”!

Os ideais pregados pela minha religião são soberanos, são bons para o mundo, deveriam ser seguidos por todos. Já o que prega aquela outra religião ali, credo, Deus me livre, é melhor ser ateu. Minha religião é a melhor. E quanto àquela outra: “#$%&_)@”!

rivalidade

Contra aquele candidato que não me agrada e eu nem sei o motivo, vale tudo, até mentiras e boatos sem fundamento. Contra o meu candidato, ahhhhh, não. Aí não pode ser leviano, não é permitido falar algo que não se prova. Meu candidato é o melhor, é mais bem preparado para o país, mais inteligente e mais bonitinho. Sabe o que eu falo para aquele outro, o adversário? “#$%&_)@”!

No momento que vivemos impressiona a cabeça fechada e a intolerância das pessoas nas redes sociais. Falando especialmente de política, impressiona a forma como as pessoas lidam com posições diferentes. A impressão que dá é que se um grupo de pessoas com posições contrárias se encontrassem nas ruas, haveria uma briga épica que duraria 5 dias e 5 noites. Impressiona a forma como as pessoas embarcam em qualquer boato e compartilham qualquer bobagem (desde que seja contra o candidato rival).

Parece que o certo é definir um lado e a partir disso ignorar ou ofender ao máximo o lado oposto. Não importa se há propostas interessantes do outro lado, não interessa se há algo positivo no “rival”. Afinal, ele é um “rival”, como aquele do futebol, não é?!

E você aí, me respeite; isso é uma democracia; abra o olho… e não ouse discordar de mim!

Lucas Reis

8
out

Sobre eleições e puerilismos

 

urna-eletronica-2-1

Lembro da primeira eleição em que participei ativamente. O ano era 1996 e eu tinha pouco mais que meia dúzia de anos. Isso porque a novidade da urna eletrônica fez com que minha avó Zilá me pegasse no colo e me deixasse digitar os números e apertar o botão verde.

Foi sensacional. Me senti super importante, no entanto, morri de medo que minha avó fosse presa já que todos diziam que o voto era secreto. Na minha cabeça, ser secreto era sinônimo de não poder falar de jeito nenhum em quem votou, sob pena de passar umas noites no xadrez. Ela abriu o jogo do voto justo comigo, que corajosa, pensava.

Não foi o caso. Voltamos para casa lépidas e faceiras e com o dever cumprido. Eu não sabia qual estrago minha avó tinha me permitido fazer, só descobri depois de adulta que aqueles candidatos eleitos pelos meus dedinhos eram os piores possíveis. Só então entendi o sentido de “secreto”. Boa vó, obrigada por mais essa!

Nessas descobertas todas, entendi que eu podia pensar diferente da minha avó e continuar amando-a sem que houvesse brigas de foice, ameaças de morte, injúrias, difamações e frases preconceituosas envolvendo os candidatos que ela escolheu, sua idade, peso e local de nascimento.

Nessas eleições, lá se vão 15 anos sem a vó Zilá e quase 20 do dia em que apertei os botões por ela. E o que mais me surpreende é que, atualmente, parece que todos nós ainda temos aquela mesma meia dúzia de anos que eu tinha ao discutir sobre política.

Agressões, argumentos sem fundamento, papo furado, sociologia a partir do seu próprio umbigo, achismos, Facebook como muro de lamentações/diário/ai meu Deus quero sair daqui/você não presta/vou te deletar. Além, é claro, do “bom e velho” preconceito racial, social, de gênero e regional. Pérolas da tecnologia que te permite ofender sem ter que mostrar sua cara e criar um discurso plausível com mais de 140 caracteres. Acho que você não entenderia, vó.

Dia desses um primo meu me disse que “havia feito a sua parte” na eleição. Entendi completamente o que ele dizia, no sentido de querer o bem para todos, garantir direito de minorias e um estado laico de fato. Mas foi aí que me veio o clique: a grande questão é que todos nós, do alto do nosso puerilismo político cremos piamente que fizemos “a nossa parte”.

O que será que é fazer a nossa parte quando somos mais de 200 milhões? Estou longe de ser Pollyanna, mas acredito em uma sociedade de fato laica. Acredito no próximo, ainda que não tenha nascido no mesmo local que eu. Acredito mais em pobres que em ricos, é verdade, mas acredito.

Acredito que minha religião ou não-religião deve ser respeitada. Creio que meus irmãos, que infelizmente não puderam desfrutar da presença da dona Zilá, possam viver em um país igualitário. Assim como meus filhos e até mesmo eu quando tiver a idade da minha avó.

Se eu tivesse o mesmo tempo de TV e rádio que os candidatos têm, aproveitaria para pedir que a gente seja menos massa e mais críticos. Que haja mais proposta e menos falação. Menos partidários e mais pensantes. Mais tolerância, capacidade de colocar a cabeça no lugar para analisar o que vem por aí.

Não queria que vibrassem com um debate que vai e vem e acaba caindo em ofensas pueris. Quando vejo esses memes nas redes sociais penso logo em: a bola é minha e você não brinca mais.

Somos tão jovens, com apenas 514 anos temos muito o que aprender sobre respeito, cidadania e tolerância. Precisamos fazer terapia coletiva para entendermos a nós mesmos. Compreender sobre democracia, esse direito que nos foi dado há tão pouco tempo e que ainda não sabemos usá-lo. Sigamos, brasileiros.

Será que continuo sendo aquela mesma criança que apertou os botões em 1996? Tomara que sim. Beijo, vó!

Marina Oliveira

 

2
out

Superação

Há 10 meses (período em que voltei a trabalhar aqui na Talk) atendo a Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa). Não tive muito contato direto com os atletas em um primeiro momento, pois a maioria deles ainda treina em São Paulo, na Universidade de São Paulo (USP). Sempre conversava bastante pelo telefone e também por meio de um jornalista que temos lá para agilizar o processo, o nosso colega Lucas Reis.

Fernando Fernandes

Pois bem, em julho eu fui, juntamente com alguns atletas, para Szeged na Hungria, como jornalista para cobrir o Campeonato Mundial Junior e Sub-23 de Canoagem Velocidade. Foi uma experiência incrível. Não somente por conhecer um lugar muito bonito e agradável, que jamais seria um dos meus destinos de viagem, mas também por conhecer a história dos atletas. Em sua maioria, histórias de superação, de gente que lutou bastante para chegar até ali. E convenhamos, a vida de atleta não é tão fácil como a maioria das pessoas pensa. Eles acordam cedo, treinam durante a manhã toda, almoçam, têm algumas horas de descanso e depois, treino novamente. E vamos combinar que ficar sentado ou ajoelhado em um caiaque ou canoa, remando o tempo todo, é para os fortes. Engana-se quem pensa que o treino é só na água. Eles fazem condicionamento, corrida, musculação e outras atividades físicas. Até para quem já faz exercícios, como eu que treino há seis anos, olhar a rotina deles cansa. Imagine para os sedentários de plantão…

Voltando para o Brasil, no último final de semana (25 a 28 de setembro), fiz a cobertura do Campeonato Brasileiro de Canoagem Velocidade e Paracanoagem, que aconteceu no Parque Náutico, aqui em Curitiba. Neste evento eu tive a oportunidade de conhecer pessoalmente os atletas da paracanoagem e acreditem, me emocionei profundamente. Tetracampeão mundial de paracanoagem e campeão brasileiro de canoagem velocidade ao lado de três canoístas sem qualquer deficiência, o ex-BBB Fernando Fernandes chamava a atenção por onde passava. Sorriso imenso estampado no rosto e um carinho sem tamanho com as crianças, ele tirava fotos, dava autógrafos e saía por aí, espalhando bons dias e boas tardes para quem passasse por ele, que empurrava a sua cadeira de rodas em meio ao barro e chuva (choveu muito durante os dias de Campeonato, o que dificultou, mas não impediu a realização do evento).

Fernando não pode andar desde 2009, quando sofreu um grave acidente de carro. Assim como ele, cerca de 65 paratletas estavam presentes no Campeonato, todos com histórias de vida de tirar o chapéu. Kal Brynner, assim como Fernando, tem sorriso fácil. Falador, me contou quase sem respirar toda a sequência de fatos desde o acidente de carro que o deixou paraplégico, em 2008, até a descoberta da canoagem por ele, há um ano e meio.

Kal foi convidado por um amigo para remar no lago, em Brasília. Ele me contou que quase não conseguiu sair do lugar na primeira vez: “Morri de medo quando entrei no caiaque, pensei que ia me afogar. Mas meu colega disse que eu tinha força, que era para continuar e eu continuei”. Tá aí uma coisa que muita gente, sem nenhuma deficiência, não faz: continuar, insistir, tentar, sonhar. Kal, assim como Fernando, saía por aí distribuindo gentilezas. Ele deu duas entrevistas para emissoras de TV e sempre me perguntava se tinha ido bem na fala. Claro que ele foi, foi tão bem que encheu meus olhos de água e eu me segurei para não chorar ali mesmo.

O que vi no Brasileiro pode ser muito bem definido como lição de vida. Hey, você aí, para de dar desculpas e reclamar de tudo. Levante da cadeira e vá à luta! Amigo, esses caras aí, esses paratletas, eles conseguiram ser campeões brasileiros sem andar, pode ter certeza que você consegue começar a academia, você consegue achar um emprego, você consegue começar aquele curso que quer fazer há anos e dá a desculpa que “está sem tempo”. Isso serve também para mim. A vida é maravilhosa e apesar de todos os obstáculos e coisas ruins desse mundo, ainda há muitos motivos para sorrir e dizer: vale a pena! Afinal de contas, até onde sabemos, só vivemos uma vez. Então, aproveite!

 

Fabíola Cottet