Assumi as saudades como um elemento constante dentro de mim, que às vezes sinto quase como uma dor física no peito. Como as saudades que sinto de Portugal. É o país em que morei por um período da minha vida e que sempre esteve comigo, por meio das histórias do meu avô, imigrante da Ilha da Madeira. No ano passado, pude retornar ao país lusitano e à cidade em que vivi, Coimbra, que não por acaso inspirou o fado “Saudades de Coimbra”, do poeta José Afonso.
“Ó, Coimbra do Mondego
E dos amores que eu lá tive
Quem te não viu anda cego
Quem te não amar não vive”
E o clássico fado “Balada da Despedida”, criado pelo poeta e compositor Fernando Machado Soares.
“Coimbra tem mais encanto, na hora da despedida.
Que as lágrimas do meu pranto, são a luz que lhe dá vida.
Quem me dera estar contente, enganar minha dor.
Mas a saudade não mente, se é verdadeiro o amor”
Só de ler essas palavras já me afloram as saudades outra vez.
Coimbra é uma cidade de passagem para a maioria das pessoas que vivem ou viveram lá. A maior parte dos moradores são estudantes que vão à Universidade de Coimbra, como foi meu caso, e que após um período de estudos e das vivências alegres da juventude pelas ruelas da cidade, voltam para suas casas em outras partes do país ou do mundo.
Passei apenas um dia e meio em Coimbra durante minha última viagem — cheguei lá no dia do meu aniversário de 27 anos, o que tornou a data ainda mais especial para mim —, mas foi o suficiente para meu peito se renovar de amores por aquele lugar.
Fiquei emocionada ao pisar novamente naquela que foi a minha cidade anos antes. Foi com muita alegria que novamente cruzei a ponte de vitrais coloridos sobre o Rio Mondego, subi e desci as infindáveis ladeiras da cidade, parei para tomar uma ginjinha em uma tasca e comemorei a idade nova com um expresso e um pastel de nata com muita canela em um dos cafés nas redondezas do Largo da Portagem.
Caminhando pela Baixa de Coimbra, passei em frente ao predinho em que vivia, uma residência estudantil que abriga algumas dezenas de estudantes de várias partes do mundo e, para minha sorte, encontrei um dos proprietários do local, o Miguel, ali em frente. Após conversas sobre os velhos tempos, ele me deu a chave para que eu pudesse entrar e relembrar os momentos em que vivi ali. Como foi bom poder novamente subir aquelas escadas, caminhar por aqueles corredores que seriam tão comuns para alguns, mas cheios de significados e memórias para mim.
Quando eu e meus colegas de residência vivemos ali, anos antes, havia duas ou três fotos em uma grande parede de um grupo de pessoas que moraram ali antes da gente. Antes de cada um voltar para suas cidades e países de origem, colamos várias fotos de momentos nossos por ali também. Eu me questionava se aquelas imagens continuariam ali, anos depois, e sim, lá estavam elas, agora ao lado de dezenas de outras fotos de quem morou ali nos anos posteriores.
Recebi muitas mensagens de amigos que viveram comigo naquele período quando viram algumas fotos que postei do nosso antigo lar. Com uma amiga, que era a mais próxima quando vivemos ali, falei sobre tudo o que eu senti de volta a Coimbra, e ela falou sobre como, mesmo anos depois, a cidade ainda continuaria nos sendo íntima.
Gostei de pensar o conceito de intimidade para uma cidade. Na verdade, esse adjetivo foi o que melhor descreveu o que senti nesse breve retorno. Sinto que, mesmo passado o tempo, Coimbra continuará sempre íntima, com suas ruas de pedra que estão lá há séculos, as casinhas e prédios tipicamente portugueses, a tranquilidade da vida. Muda-se algo do cenário, muito dos moradores, mas, no fim, é sempre como reencontrar uma velha amiga que amamos. Eu guardo meu afeto por ela, e ela minhas lembranças vividas ali, tão doces quanto licor de ginja.
Stephanie D’Ornelas