Arquivos da categoria: arte

9
set

Eu não disse não

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Tenho dificuldades para dizer não em situações que me desafiam. Isso não é uma qualidade, frequentemente deu errado e algumas vezes consegui me safar com poucos danos.

Podia ter me dado bem mal quando apliquei uma benzetacil no meu primeiro chefe. As variáveis eram assustadoras, mas a ignorância dá coragem. Então, sem nunca ter treinado sequer em uma maçã, misturei os birinaites da injeção mais doída do planeta e mandei brasa no braço da pessoa – que ainda agradeceu!

Nem vou desfilar aqui os muitos casos de minha insensatez – a maioria deles não merece vir a público por que ainda tenho alguma reputação a salvar.

Mas foi por sofrer dessa incontinência que neste ano corri o maior dos riscos para uma pessoa de vidinha mediana e medíocre como a minha. Fui parar em cima de um palco, cantando, dançando e representando. Quer dizer, tentando fazer tudo isso.

Claro está que não sou a única pessoa sem juízo na cidade. Eu era uma em um grupo de 29 amadores. Nossa sorte e fortuna residem no profissionalismo do maestro que nos deu essa missão.

Ele apostou no grupo e confiou que faríamos – não sem acionar o chicotinho, é claro, que nada vem de graça nessa vida; muito menos encenar uma versão da “Ópera do Malandro” num teatro lotado por 650 pessoas.

Parafraseio um dos antológicos versos do Chico Buarque para dizer como me sinto em relação a essa aventura: na vida, ou nos palcos da vida, a gente vai apanhar e sangrar e suar. E vai ser maravilhoso!

 

Marisa Valério

22
ago

Desenhe pelo desenho

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Minha relação com as letras sempre foi próxima. Na infância amava ler gibis, depois passei para as revistas e livros. Redação era minha matéria preferida na escola e, como decidi ser jornalista, continuei usando as palavras para expressar minhas ideias do cotidiano ao ganha-pão. Quando eu era criança também gostava de desenhar, e até achava que tinha potencial para isso, mas com o passar dos anos deixei de me dedicar à arte da representação gráfica. Foi quando comecei a fazer a faculdade de Design Gráfico, no início deste ano, que o desenho renasceu na minha vida.

Cheguei com travas — ainda não totalmente desbloqueadas — por pensar que talvez minha habilidade como desenhista não fosse suficiente para o curso. Eu não estava sozinha. São muitos os estudantes que iniciam a faculdade nesta área sem confiar plenamente em seu potencial para o desenho.

Quando somos crianças, amamos criar universos com lápis de cor, giz de cera, canetinhas e tudo o que produzir manchas coloridas num papel (ou mesmo numa parede que estiver dando sopa). Mas, por algum motivo, grande parte de nós cresce acompanhado das neuroses que nos sussurram de que não sabemos desenhar ou que somos pouco criativos.

Dias atrás vi uma postagem em uma rede social de um ilustrador que admiro muito dizendo que ele tinha se tornado desenhista porque foi uma criança que nunca disse a si mesmo que não sabia desenhar. São muitos os relatos de crianças que são corrigidas por pais e professores por colorirem uma imagem com as “cores erradas”, por que, teoricamente, as tonalidades escolhidas não representam a realidade.

No século passado, o icônico cachimbo do surrealista René Magritte dava a dica:

“ceci n’est pas une pipe” ou, no português, “isso não é um cachimbo”. As imagens não são a realidade em si. Mesmo assim, a sociedade continua podando o modo como as crianças desenham, até que todas se encaixem em um padrão e que muitas cresçam achando que o desenho não é para elas.

Outro grande obstáculo é acreditar que o desenho só deve ser feito para alcançar um fim específico. Colocamos tanta expectativa no resultado final que o processo se torna muito intelectual e pouco prático. Tenho aprendido a simplesmente desenhar por desenhar. Aproveitar o processo. Em uma aula da faculdade, uma aluna perguntou ao professor se um trabalho de ilustração que faríamos em sala seria apenas um esboço ou se já deveríamos nos preparar para entregar no mesmo dia. Ele explicou que, para ele, tudo era o resultado final: desde os nossos primeiros traços.

Se você quer começar a desenhar, não pense muito: apenas desenhe. E se você não estiver satisfeito com o resultado, continue desenhando. Todos os grandes desenhistas têm anos de prática e dedicação. Livrar-se das amarras tem sido, para mim, um processo maravilhoso de redescoberta de mim mesma. Afinal, desenhar apenas pelo ato de desenhar é uma forma de expressão tão forte quanto as palavras.

Stephanie D’Ornelas

3
jul

Memórias artísticas

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Muitas exposições de arte me marcaram em diferentes fases da vida. Ainda me lembro de quando, aos 14 anos, visitei o Museu Oscar Niemeyer pela primeira vez — creio que foi, na verdade, uma das minhas primeiras visitas a um museu na vida. Fui para lá com a minha família e me surpreendi ao ver que havia uma exposição de um artista tão conhecido. Era a mostra “Picasso: Paixão e Erotismo”, que contava com dezenas de gravuras feitas pelo mestre espanhol.

Mais ou menos na mesma época tive meu primeiro contato com a arte contemporânea. Em uma atividade extraclasse da disciplina de educação artística, fomos ao Museu Alfredo Anderson e uma obra em particular chamou minha atenção. Tratava-se de um grande amontoado de geleca branca, que os visitantes podiam tocar. Então aquilo também poderia ser arte? Para mim, então uma adolescente descobrindo as possibilidades artísticas do mundo, aquilo parecia revolucionário.

As aulas de educação artística do colégio sempre estiveram entre as minhas preferidas, e as minhas primeiras visitas a museus inauguraram minha vida curiosa por exposições de arte ao redor do mundo. Muitas obras me marcaram especialmente: ver “Guernica”, imensa, na minha frente, no Museu Reina Sofia; observar pessoalmente, e não somente em livros de história, “A Liberdade Guiando o Povo”, no Louvre; andar, emocionada por tanta beleza, pela Sagrada Família, de Gaudí, iluminada pelas sombras coloridas produzidas pelos vitrais.

Muitos museus são jóias por si só, e dentro deles nos sentimos como em outro universo, vasculhando a vida e obra de um artista específico. Como o Museu de l’Orangerie, em Paris. Ali, o tempo e as cores são diferentes do mundo exterior: tudo ganha o ritmo e os tons de Monet. Os imensos painéis das ninfeias do artista francês cobrem as paredes arredondadas, que nos cercam como um abraço. O museu é um dos muitos cenários encantadores que compõe o filme “Meia Noite em Paris”, de Woody Allen.

Recentemente, tive a oportunidade de visitar o Museu Van Gogh, em Amsterdam. É praticamente impossível não conhecer pelo menos as obras mais famosas de Van Gogh que são referenciadas em milhares de livros, fotografias e releituras compartilhadas em sites e redes sociais. Suas artes inspiram também produções cinematográficas, como ‘Love Vincent’, uma animação produzida totalmente a partir de telas a óleo inspiradas na obra e vida do artista holandês. A produção, que contou com a colaboração de mais de 100 pintores, ganhou ainda mais destaque após concorrer ao Oscar de Melhor Filme de Animação em 2018.

Percorrer as salas do Museu Van Gogh é enriquecedor para qualquer pessoa que tenha interesse em arte. As obras estão expostas em ordem cronológica, o que permite que tenhamos uma compreensão da evolução do pintor em seu curto (porém extremamente frutífero) período de produção. Ver as obras de Van Gogh pessoalmente foi uma experiência inesquecível. As texturas e as cores que ele obteve para suas pinturas nunca serão igualmente reproduzidas em meio online ou impresso. Ao vivo podemos apreciar cada detalhe de seus azuis vibrantes, verdes intensos e vermelhos radiantes. Guardo comigo, em um lugar especial, o amarelo que reluz como ouro de seus girassóis.

Stephanie D’Ornelas

23
abr

Notre-Dame, empatia e reflexão

Incendio-Catedral-Notre-Dame

A Semana Santa de 2019 ficará para a história como aquela em que o mundo acompanhou, atônito e em tempo real, o incêndio da Catedral de Notre-Dame, marco zero de Paris. Como símbolo da capital francesa, dispensa apresentações. Muito antes de se pensar em erguer a Torre Eiffel, a Notre-Dame era e continua sendo o cartão-postal parisiense por excelência, além de ser o ponto turístico mais visitado de toda a Europa. Além disso, acaba representando, muito além do lado simbólico católico, tudo aquilo que a França foi e ainda é como referência cultural para o ocidente.

Dessa forma, a empatia foi global: muitas pessoas choraram ao ver a Notre-Dame em chamas, pensando no acervo e patrimônio da humanidade que poderia ser perdido em questão de minutos. É fato que a maior parte felizmente foi salva e/ou retirada dias antes pela reforma em andamento na igreja (como as estátuas de ferro que adornavam os telhados e a galeria de gárgulas), mas houve perdas de afrescos e pinturas, entre outros danos.

Na mesma proporção da empatia, vieram algumas reflexões sobre as razões de tanta gente comovida com o incêndio da Notre-Dame, mas que muitas vezes não é abalada por tragédias em outros países, ou quando morrem milhares de pessoas em desastres naturais.

Como diz o ditado, misturou-se “alhos com bugalhos”. O fato de alguém ficar triste ao ver a catedral em chamas não quer dizer que não se compadece de outras tragédias pelo mundo. Da mesma forma, muitas tragédias que vêm ocorrendo nos últimos meses (2019 não vai passar despercebido, definitivamente) acabam por “banalizar”, se é que essa é a expressão certa, o sentimento de mobilização da opinião pública.

Em outras palavras, é como se um atentado a bomba no Oriente Médio, furacão ou enchente na África ou Ásia fossem “distantes” ou mais infelizmente “comuns”, sob essa perspectiva, mas o crime ambiental de Brumadinho e o incêndio da Notre-Dame nos parecessem mais próximos e familiares.

Acima de tudo, acredito ser importante fomentar a empatia em todas essas situações. Mais do que luto seletivo, é preciso sempre ter a consciência de que somos todos parte de uma aldeia global, e de que aquilo que afeta nosso vizinho hoje pode chegar até nós amanhã.

André Nunes

3
abr

A arte imita a vida

aquele-que-caiCena do espetáculo “Aquele que cai”. Foto: Géraldine Aresteanu.

Tomo por ideia inicial um lugar comum, me perdoe. Precisamos de um ponto de partida para a viagem à qual te convido: um passeio pelas metáforas do espetáculo “Aquele que cai”, de Yoann Bourgeois. Se você não foi um dos sortudos convidados para a abertura da 28ª edição do Festival de Curitiba, no dia 26 de março, ou não esteve na plateia no dia seguinte, não tem problema. Se você é humano, o assunto lhe interessa. Antes de começar, peço que assista a um trecho da apresentação no Youtube.

Claro, a obra é aberta, não tem interpretação certa ou errada, mas vou compartilhar aqui o que ela significou para mim.

“Celui qui tombe” (o nome da peça em francês, seu país de origem) traz cinco personagens comuns, com roupas comuns e vidas aparentemente comuns. No início, eles estão em um lugar estranho (a plataforma – a meu ver, representação do mundo) e precisam se adaptar rapidamente ao ritmo ditado por ela, que gira – começa devagar, e vai aumentando a velocidade. É difícil se equilibrar sozinho, e em certo momento os cinco entendem que se ajudarem uns aos outros, conseguirão ficar em pé mais tempo e realizar mais coisas juntos. Logo, alguns casais se unem, se separam, e a plataforma gira cada vez mais rápido. Até que todos caem. Não é fácil se adaptar ao ritmo do outro e ao que o mundo exige de nós. Mas é importante aprender a levantar de novo, de novo e de novo.

Em outro momento, a plataforma é colocada sobre um único ponto de apoio, central. Como um prato apoiado em um palito. Torna-se ainda mais difícil encontrar o equilíbrio. Mas não podemos ficar inertes por muito tempo, ou somos engolidos pelo sistema: alguém vai se mexer, e se você ficar parado, cai. É preciso se adaptar rápido. Alguns personagens conseguem chegar a um ponto privilegiado e aproveitar a vista. Mas lembre-se, se todos se moverem para o mesmo lado da plataforma, caem. Alguns precisam ser o contrapeso – os privilégios infelizmente não são para todos.

Pouco antes do fim, os personagens estão no chão e a plataforma passa a se comportar como um pêndulo. Uma moça tenta empurrá-la sozinha: em vão, porque o mundo é muito pesado para ser carregado sozinho. Com a ajuda dos colegas de elenco, o pêndulo se move. Mas tudo o que vai, volta. E agora quem não se abaixa rápido o suficiente é empurrado pela plataforma. É preciso se movimentar, porque o mundo não para. Os personagens se abaixam, pulam, sobem na plataforma, deitam, fazem o que podem, mas invariavelmente, em algum momento são derrubados. Há quem caia e não levante mais, sem suportar o peso do mundo. E então todos ficam pendurados, segurando-se como podem, mas a verdade é que, no fim, todos caem.

E aí, se identificou? Qualquer semelhança com a vida real não foi mera coincidência. O Festival de Teatro de Curitiba vai até 7 de abril, domingo. Vá ao teatro, é bom ver a vida refletida na arte.

Luciana Penante

24
mar

Moda e blogs

iris3Eu sempre gostei muito de moda, principalmente de ler sobre, pois o consumo mesmo nunca esteve ao meu alcance.

Nos anos 80, quando não havia internet, minha família assinava e comprava muitas revistas, entre elas as clássicas Moda& Moldes e Manequim, que eu devorava página por página. Acho que foi aí que surgiu a minha adoração.

Mais velha, já com a internet, descobri os blogs de moda. No início eu era compulsiva, acessava milhares ao dia, adorava ver o que as meninas usavam e recomendavam, até gostava de ver os “looks do dia”. Mas sempre tive uma postura crítica, pois moda não é só ir ao shopping comprar, moda é comportamento, é informação, é história.

Nessa época, lá em 2009, as blogueiras viraram estrelas. Eram convidadas para a primeira fila de desfiles em Paris, participavam de coleções, tornaram-se digital influencers.

E nisso começaram as críticas, já que carregar marcas famosas e desfilar as últimas tendências não é, nem nunca foi, sinônimo de bom gosto ou de bom senso para a moda. Uma das críticas mais frequentes também refletia sobre os jornalistas e os blogueiros, que não são a mesma coisa.

Com o tempo fui perdendo o interesse, pois a falta de conteúdo me incomodava muito, além do estímulo desenfreado ao consumo e a falta de realidade. No meu mundo, e no da maioria das pessoas, não está na lista de desejos uma bolsa Chanel ou um sapato Louboutin, que segundo a maioria das blogueiras, são itens “imprescindíveis”.

Mas depois de tanta rejeição aos blogs vejo um movimento interessante que valoriza o reaproveitamento, os “armários cápsulas” (que estimula ter poucas e boas peças) e, principalmente, de consumo consciente.  Afinal, moda é muito mais do que uma roupa bonita.

Se você gosta ou quer saber mais, fiz uma lista de documentários bem legais sobre moda:

  • Advenced Style: mostra que moda não tem idade e é comportamento também.
  • Íris: sobre a linda Iris Apfel, um ícone da moda aos 94 anos.
  • The True Cost: o documentário mostra o impacto da moda em todo o planeta, seja financeiro, ambiental ou comportamental.

Todos estão na Netflix.

Um beijo,
Maria Emilia

18
set

Três HQs fora do tradicional

Maus-Art-Spiegelman-PortableNão sou uma leitora de quadrinhos, mas, recentemente, conheci alguns títulos que me encantaram e achei bacana compartilhar, pois fogem dos tradicionais do mercado. A série nacional de quadrinhos chamada “Valente”, de Vitor Cafaggi, é composta por quatro livros encantadores, com traços fofos, para a família toda ler. Conta a história de um cão chamado Valente e suas peripécias que simulam a transição da vida de um adolescente. Do mesmo autor mais a sua irmã Lu Cafaggi, o quadrinho “Turma da Mônica – Laços” faz parte do projeto Graphic MSP, no qual alguns artistas reinventam os personagens originais de Maurício de Souza. Com traços bem diferentes do tradicional, este também é para a família toda.

Mas, o quadrinho que entrou para a minha lista de obras preferidas foi “Maus: a história de um sobrevivente”, de Art Spiegelman. O livro tem 295 páginas. Seu primeiro volume é de 1986 e o segundo, de 1991. É possível achar o volume completo com a reimpressão de 2013. Em 1992, o autor recebeu o famoso Prêmio Pulitzer de literatura, na categoria “Especial”, pois o comitê da premiação não soube categorizar se Maus era uma obra biográfica ou de ficção. Isso por que esse romance gráfico narra a história real do pai de Spiegelman, Vladek Spiegelman, um judeu polonês sobrevivente do Holocausto.

O curioso dessa HQ é que o autor retrata todos os personagens de diferentes grupos étnicos por meio de animais, como: judeus são os ratos (“maus”, em alemão); os alemães são os gatos; os americanos, os cachorros; os franceses, os sapos; os poloneses, porcos, os ingleses, peixes; os suecos, renas e os ciganos, traças. Ironia, principalmente, pela publicidade nazista da época que associava os judeus aos ratos, uma “praga que deveria ser exterminada”.

Deixo para vocês apreciarem mais detalhes da história de Maus. Mas, adianto: a obra é triste (tem algumas pitadas cômicas em certas tirinhas sobre o curioso humor de Vladek). Mas, têm mortes, dor, perseguição: coisas que o holocausto representa, afinal o livro retrata o antissemitismo. Algumas páginas me emocionaram ao ponto de adiar a leitura por um ou dois dias para dar aquela respirada.

Maus faz parte do que se chama movimento “underground comix”, muito comum em meados dos anos 1960, no qual a transgressão é um dos signos. Obras undergrounds girava em torno de questionamentos da contracultura, como: direitos humanos, anarquismo, socialismo, feminismo, movimento hippie, guerras, entre outros. Apesar de bastante didático, Maus tem um apelo bem adulto, com alguns desenhos fortes e comoventes.

10
set

Daumier e o Imperador

Honoré Daumier (1808-1879) foi um dos artistas que melhor retratou o povo francês do século XIX.  Pintor, ilustrador e caricaturista de mão cheia, seu lápis foi implacável com os poderosos, principalmente políticos, oligarcas, juízes, advogados ou qualquer outra pessoa que se colocava contra os mais humildes e injustiçados pelo sistema.  O talento de Daumier foi descoberto cedo e com menos de 20 anos de idade seu trabalho já era reconhecido em toda a França.   Em sua carreira, Daumier produziu mais 4 mil litografias, a maioria publicadas em jornais republicanos franceses, como La Caricature e La Charivari.  Duas das caricaturas de Daumier das mais interessantes para nós brasileiros são aquelas que retratam o imperador D Pedro I, descobertas que viraram livro do expert no assunto, Alvaro Cotrim, o caricaturista Alvarus.  Em uma delas, Daumier mostra o imperador barrigudo, careca e vestindo uma camisola, em um visual muito diferente da imagem legada pela tradição.

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A legenda(traduzida): Sir! Lisboa foi tomada – Aaaah !! …..e eu sonhei que eu estava lutando bravamente. Uma das especulações mais interessantes de Alvarus é que Daumier poderia ter conhecido in loco D Pedro I, durante uma temporada que o soberano passou em Paris, pouco antes da guerra com o irmão mais novo pelo trono de Portugal. E por isso talvez tenha produzido o retrato mais fiel do imperador brasileiro.

Por Zé Daniel

13
ago

As medianeras…

Uma das esquisitices dessa vida que muito me encantam são as medianeras. Também conhecidas como “paredes cegas” que, por mim, são muito bem vistas. Gosto de andar pelas ruas olhando (mesmo de dentro do ônibus) para os edifícios, tentando achar essas paredes que não possuem janelas, portas ou qualquer outra abertura.

Tudo começou quando assisti um dos filmes argentinos que mais gosto, cujo nome é o tema do post. O filme, de 2011, escrito e dirigido por Gustavo Taretto, é para quem gosta de longas com metáforas (algumas vezes, bem piegas), pois ele lança reflexões, inter-relacionando a crise da existencialidade, das relações sociais, da melancolia e da solidão urbana com as formas desorganizadas das cidades e da arquitetura, especificamente de Buenos Aires. A principal metáfora da trama são as medianeras.

“Todos os prédios, todos mesmo, têm um lado inútil. Não serve para nada, não dá nem para frente, nem para o fundo, a “medianera”; superfícies que nos dividem e que lembram a passagem do tempo, a poluição e a sujeira da cidade. As “medianeras” mostram nosso lado mais miserável, refletem a inconstância, as rachaduras, as soluções provisórias… É a sujeira que escondemos debaixo do tapete…” (trecho do filme Medianeras, 2011, Argentina).

Esse item arquitetônico, que tem um impacto negativo na paisagem urbana, tem ganhado novas soluções, como as propagandas, painéis artísticos de graffiti ou de mosaicos, de LED ou intervenções – como no centro de Curitiba, que revelam o Ray Charles e o Jack, de O Iluminado – recebem também revestimentos com diversos materiais, tal qual o vidro ou jardins verticais, entre outros. Vale tudo para “dar vida” àquela parede que tentamos cotidianamente ignorar.

Marcielly Moresco

(credito foto WASHINGTON CESAR TAKEUCHI_Site_Circulando_por_Curitiba)

2
jul

As “Esquecidas” Aventuras do Rei Pausolo

Esse negócio de pintar livrinho não está com nada. Finalmente consegui um exemplar da única tradução brasileira das “Aventuras do Rei Pausolo”, um dos mais divertidos romances galantes/eróticos que se tem notícia. Escrito pelo francês Pierre Louÿs, a obra veio a público em 1901, na França. A história foi um tremendo sucesso mundial. Chegou ao Brasil em 1911, publicado a partir do número de estreia do semanário fescenino “O Riso”. Nos anos 1930, o livro virou uma opereta e logo depois um filme dirigido por Alexis Granowsky. Vamos então a uma sucinta apresentação. Louys_Pausole_page_de_titre

O Rei Pausolo era o soberano absoluto de Tryphemia, local de estonteante beleza natural, mas nunca comentado nos livretos de história e geografia. Dizem que por ser tão belo e com uma cultura tão diferenciada, os historiadores preferiram manter em segredo a localização do reino, para afastar os curiosos desta terra encantadora.

Debaixo de uma cerejeira (pois além da sombra, fornecia frutos maravilhosos), Pausolo solucionava tranquilamente o problema dos seus súditos. As decisões eram baseadas nas duas únicas leis em vigor em Tryphenia:

1 – Não incomode seu vizinho.
2 – Bem entendido o primeiro artigo, cada qual pode fazer o que bem quiser.

Cultores da simplicidade e do bom gosto, em Tryphenia todos deveriam andar nus, desde que tivessem corpos bonitos. Toda noite, Pausolo escolhia uma das suas 366 mulheres (uma por dia, prevendo anos bissextos) para compartilhar sua cama. Por mais de 20 anos o reino segue em perfeita harmonia e paz, até que a filha de Pausolo decide fugir do castelo real. A partir daqui, deixo para você, leitor curioso e que não é dublê de pintor, buscar as Aventuras.

Este livro, praticamente esquecido em terras brasileira nos dias de hoje, ainda ecoa em movimentos diversos, de wickas a alternativos chinelão de couro, de apreciadores do naturismo a bem comportados juristas, que reverenciam o bom humor, a benevolência, a indecisão, o erotismo e a justiça do reinado de Pausolo. O único defeito da edição brasileira, de 1956, é de que não contêm as ilustrações que tornaram ainda mais célebre o livro, já que existem edições estrangeiras ilustradas por nomes como Carlège, Lucien Métivet, entre outros. Adoraria ver este romance encenado, quem sabe algum dia algum dramaturgo brasileiro se anime. Diversão e sucesso de público garantidos.

José Daniel