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23
out

Sabedorias

Chover no molhado afirmar que o Brasil é um retalho de vários países e que a gente não conhece a própria terra. Ainda mais quem vive no Sul Maravilha, acha mais interessante aproveitar o “bom momento” da economia e conhecer o exterior. Mas, quando decidimos descansar em bandas tupiniquins, percebemos que o estrangeiro mesmo é aqui.

 

Foi o que aconteceu comigo semanas atrás, em viagem aos confins nordestinos. Praias lindas, repletas de nativos e europeus quase nativos (moram lá há anos ou surfam lá todos os anos, durante as férias de dois ou três meses que eles costumam tirar). Este segundo grupo é uma questão lá do Velho Continente e não vale teclada aqui. Já o primeiro é compatriota e merece o pensar.

 

Em uma praia como Jericoacoara, da moda e badalada, uma casinha simples perto do mar chega a valer milhão ou até milhões. Só mora bacana? Pelo contrário, a maioria é de filho de pescador que hoje vive do turismo e herdou o casebre. E eles querem vender a casa, embolsar o dinheirama e, finalmente, virar o tal? Se eu vendesse, não saberia o que fazer com tanto dinheiro. E eu sou feliz aqui. Foi a resposta do bugueiro que me levou a uma lagoa que merece com todas as letras o nome de Paraíso, a cerca de meia hora de Jeri, como eles chamam a cidade por lá.

 

Aliás, este mesmo bugueiro, de apelido Novo porque era o caçula de uma penca de irmãos, é o filho de um dos mais notáveis pescadores da cidade. O pai, que já morreu, conseguia capturar em um único dia três peixões de dez quilos. No anzol. E num barquinho onde mal cabia o peixe. Lembrei de O Velho e o Mar. E na infância do Novo era peixe no café, no almoço e no jantar, numa época em que não havia luz e nem saneamento em Jeri. E o Novo tem a minha idade e parece amigo do meu filho.

 

No caminho para a lagoa, um velhinho caminhando nas dunas à la Saara, de chinelo de dedo, camisa e bermuda. E o novo me pergunta se pode oferecer carona. Claro! O senhor entra e explica que tinha ido a Jeri tentar fazer negócio com um cavalo. O negócio não deu certo e ele estava voltando pra casa. Um trajeto de 3 horas de ida e 4 de volta, por causa do sol a pino, da fome e do cansaço. Ah, só entendi a história porque o Novo “traduziu”, já que a fala do senhor era absolutamente incompreensível para o meu ouvido de jacu.

 

Na volta, o Novo me avisou que no dia seguinte iria chover um pouquinho, mas que o tempo bom iria continuar logo na sequência. O pai pescador ensinou a saber o tempo. Era Dia das Crianças e nenhuma criança da comunidade pareceu, nem de longe, triste por não ganhar presente.

Beijos,

Karin Villatore

19
out

O mendigo “gato” e as controvérsias

Tudo bem que só se fala sobre a foto do mendigo “gato”, o assunto repercutiu nas redes sociais e virou matéria dos jornais. Meio batido falar sobre o que todo mundo está falando, não é? Também acho. Mas analisando toda a repercussão que teve na mídia e na internet, percebi que eu também precisava me manifestar, pois refleti sobre algumas questões expostas por pessoas que adoraram o assunto e outras que repudiaram.

Vi muitos colegas escrevendo que é um absurdo toda essa atenção dada à história do tal mendigo, pois se fosse um mendigo “feio” simplesmente a mídia não teria ligado e a história não teria virado manchete. Concordo, em partes. Explico – realmente a sociedade continua a ditar valores de beleza e estereótipos e, infelizmente, o público gosta. A questão que envolve todo o problema das drogas é séria e deveria ser mais abordada nos meios de comunicação. Pois, independentemente da fisionomia, isso pode atingir qualquer família seja rica, pobre, feia ou bonita. Enfim, nesse caso qualquer um pode ser uma vítima.

Porém, como jornalista, também preciso defender de certa forma os meios de comunicação, e explicar algumas coisas que talvez muitos não entendam. Primeiro que os jornais são feitos de história de pessoas e, agradando ou não, é isso que faz com que o público se identifique com os diversos relatos e faça com que a mídia tenha mais proximidade com a comunidade. Não é isso que muitos questionam: uma mídia mais cidadã e próxima dos problemas da comunidade? Isso sem entrarmos em qualquer mérito de tema.

Segundo que não podemos desconsiderar o poder de disseminação das redes sociais e, nessa era digital, os meios de comunicação devem estar atentos a esses acontecimentos. Pois não tem como ignorar o fato de que milhares de pessoas compartilharam um mesmo assunto em menos de um dia. Para um comunicador isso é praticamente impossível.

Então, não é que eu concorde plenamente com essa repercussão, pois tenho meus valores e opinião crítica sobre os meios de comunicação. Mas meu olhar profissional, também não deixa negar que é uma “ótima” história para estampar os jornais da semana.

 Luanda Fernandes

11
out

O Trabalho de um Assessor de Imprensa

Infelizmente, algumas pessoas simplesmente não conseguem entender o propósito ou o trabalho de uma Assessoria de Imprensa. Lendo sobre esta área de trabalho importante da comunicação, percebi que alguns autores defendem que a ascensão das Assessorias de Imprensa está relacionada com o fato de elas influenciarem a agenda dos meios de comunicação e a dependência, pelas redações, das informações fornecidas por essa rede de divulgação jornalística.

O próprio manual de Assessoria de Imprensa adotado pela Federação Nacional de Jornalistas profissionais mostra a importância desta profissão para atingir uma melhor comunicação com o público–alvo. Neste manual os profissionais de AI contribuem para o aperfeiçoamento da comunicação entre instituição e a opinião pública. E, bem resumidamente, é isso mesmo. Fora que atualmente temos que monitorar a imagem do cliente nas mídias sociais, dar um treinamento de como melhorar a comunicação entre empresa e comunidade, além de estar sempre alerta para tudo o que envolve o cliente.

A atividade de Assessoria de Imprensa é vista como a ponte entre as informações corporativas (sejam elas de empresas, entidades ou até mesmo pessoas) e a mídia. Devido uma crescente preocupação em se aproximar do público-alvo, esta atividade vem sido cada vez mais procurada para se atingir este fim. Não é um trabalho fácil como muitos pensam. Longe disso. Mas é maravilhoso ser a ponte de informações.

 Thalita Guimarães

8
out

Eu te amo, Chico

Dizem que as mulheres brasileiras são divididas em duas espécies: as que amam e as que não se importam com o Chico Buarque. Faço parte da segunda categoria. Minha mãe acha que o Chico não é bonito. Concordo com ela. Ele é lindo. Irresistível aquela timidez no palco, aquela voz meio desafinada, aqueles olhos verdes, aquele sorriso malandro.

Fui a apenas um show do meu ídolo. Gritei várias vezes, com todas as minhas forças, “Chico, eu te amo”. Eu e praticamente todas as mulheres da plateia. Inesquecível. Assim como não me esqueço de um dos melhores presentes que já ganhei, o pendrive com a discografia completa do Chico, que há tempos não sai do som do meu carro.

Mas vamos combinar que marcantes mesmo são as letras poéticas que ele cria. Até em trabalhos sob encomenda, como a trilha sonora do balé O Grande Circo Místico, ele arrasa. Descobri dias desses, vendo um livro que conta a história das letras do Chico, que em “Beatriz” a nota mais grave cai na palavra “chão” e a mais aguda em “céu”. Genial! E falando em canção com nome de mulher, meu sonho mesmo era ser a Luísa, a Carolina, a Bárbara ou qualquer uma dessas musas que ele criou cantando.

Não tenho ciúme do Chico. Admirava a Marieta mesmo na época em que eles eram casados. Só fico um pouco chateada quando descubro que alguma bacana também é fã dele. Xô, Luana Piovani! Xô, Camila Pitanga! O Chico é meu. E convenhamos que homem nenhum neste mundo deve ter ciúme do Chico. Pular muro com este monstro sagrado da sedução não é uma traição, é praticamente um dever de uma mulher. O que me faz lembrar de um episódio de uma mulher que chegou em casa e viu, grudada na parede em frente à cama, uma página de jornal com uma foto gigantesca do Chico. “O que é isso?”, perguntou ao marido. “Hoje vai rolar”, ele respondeu.

Beijos,

Karin Villatore

1
out

Comportamento nas redes sociais

As redes sociais invadiram nossos lares e estão cada vez mais presentes no dia a dia de muitos profissionais. O problema é que, às vezes, ferramentas como o Facebook são utilizadas de maneira errada e até mesmo imatura, principalmente para aqueles que estão iniciando no mercado de trabalho. Não precisa ser um especialista em recursos humanos para constatar isso. É comum encontrar um ou outro perfil na rede com comentários indevidos e fotos que poderiam ser evitadas.

Outra questão que também não é mais novidade é que, depois da entrevista, muitas empresas fazem uma pesquisa no perfil do Facebook do candidato à vaga para verificar quais as preferências dele. Pode-se saber de tudo, apenas com uma pequena análise nos grupos que a pessoa participa e no tipo de comentário que ela posta. Por isso, não adianta ser o do contra e dizer que o que está na rede é pessoal, porque há muito tempo deixou de ser.

Os erros mais comuns são aqueles tipos de comentários: “Passei a noite na balada, tomei todas e vou arranjar uma desculpa para não ir trabalhar”, ou aquelas fotos em que a pessoa se expõe demais. Infelizmente, esse tipo de atitude abre precedentes para o julgamento do comportamento que, às vezes, foi por descuido ou desconhecimento. Nesse caso, não existe outro conselho a não ser pensar antes de colocar alguma coisa. Mas aqueles que dizem que não se importam com que os outros acham ou pensam, realmente são muito incoerentes. Pois o Facebook é um canal aberto para que as pessoas vasculhem e procurem informações. Nada impede que aquela empresa que pretende te contratar olhe o perfil. Para isso é necessário ter um pouco de bom senso com aquilo que você coloca na rede.

Luanda Fernandes

26
set

Bem-vinda, primavera

Estamos oficialmente na primavera. Estação das flores, dos vestidinhos, das sandálias. Certo? Errado. Aqui em Curitiba, na primeira semana da primavera estamos convivendo com frio e muitos casacos. Além das meias e botas que não puderam ser esquecidos dentro do armário.

Nesta quarta-feira em Curitiba os termômetros chegaram a 2,9ºC, de acordo com o Instituto Tecnológico Simepar. Praticamente estamos com a mesma sensação térmica do inverno, não é mesmo? Os meteorologistas dizem que o tempo deve seguir assim até o final de semana, com aumento gradativo de temperatura. Entre o sábado e o domingo o tempo fica mais úmido e, em alguns pontos isolados, pode haver chuviscos, segundo previsão.

De qualquer forma, sigo torcendo para aposentar os sapatos fechados e deixar meus dedinhos de fora. Enfim, seja bem-vinda, primavera.

 Thalita Guimarães

24
set

Maomé moveu montanhas

Você já imaginou o que deve estar passando pela cabeça do infeliz do sujeito da Califórnia que fez o vídeo que tirou sarro do islamismo e do pra lá de sagrado profeta muçulmano Maomé? Não queria estar na pele dele nem por um minuto. Em resumo, o que o metido a bacana fez gerou protestos que se espalharam praticamente no mundo inteiro.

Só no Paquistão, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas, incentivadas pelo governo, e 15 morreram. Na Líbia, os ataques chegaram à embaixada dos EUA e o embaixador foi assassinado. A Casa Branca fica só lamentando o vídeo e dizendo que não tem nada a ver com isso, além de ordenar o reforço das embaixadas. E o autor da façanha deve estar lá, angustiadão, assistindo à barbaridade gerada pela brincadeira sem graça.

Mas este piadista sem plateia deveria ter, pelo menos, ouvido falar da repercussão de Versos Satânicos, do indiano/britânico Salman Rushdie. Escrito em 1989, o livro condenava o Islão pela perseguição contra várias religiões.  Considerado ofensivo ao profeta Maomé, Rushdie teve a pena de morte ordenada pelo Aiatolá  Khomeini, líder do Irã na época. Khomeini  mandou todos os “muçulmanos zelosos”  tentar assassinar o escritor, e Rushdie foi forçado a se esconder.  Hoje ele até dá entrevista e voltou a escrever, mas comeu o pão que o diabo amassou durante muitos anos.

Para o moço da Califórnia ou para qualquer um de nós, vale sempre a dica: com religião não se brinca. Pode ser pior que xingar a mãe, tirar sarro da derrota do time alheio, falar mal de político.

Karin Villatore

Foto AFP –

21
set

Superação

Engraçado como, às vezes, reclamamos da vida sem perceber como a vida de outras pessoas é muito mais difícil que a nossa. Hoje lendo as notícias me deparei com a história deste rapaz de apenas 20 anos que, apesar de ter uma deficiência visual desde pequeno, não deixou de ser um grande esportista e fazer coisas que muitos nem tentariam. Derek Rabelo já nasceu cego, mas isso não é um obstáculo para ele deixar de surfar, nadar e andar de skate e de bicicleta.

Derek ficou conhecido após surfar a temida onda de Pipeline, considerada por muitos surfistas um desafio dos maios perigosos. A onda fica localizada na Ilha de Oahu, no Havaí, e é conhecida pela grande força com que quebra nos corais. Por isso o risco de enfrentá-la.

A história de Derek conquistou o mundo, tanto que ele é o protagonista do documentário Além da Visão. O rapaz nasceu em Guarapari, filho de um casal apaixonado pelo esporte. Com o tempo, foi perdendo o medo do preconceito para que pudesse realizar o sonho de aprender a surfar.

Quem gostou da história, vale a pena conferir o trailer do filme!

Luanda Fernandes

18
set

A incompreensão sobre as Assessorias de Imprensa

Infelizmente, de um modo geral, ainda é difícil encontrar pessoas cientes da arte da profissão de Assessoria de Imprensa (AI). Resumindo, esta área do trabalho jornalístico é vista como a ponte entre as informações corporativas (sejam elas de empresas, entidades ou até mesmo pessoas) e a mídia. Devido a uma crescente preocupação em se aproximar do público-alvo, esta atividade vem sendo cada vez mais procurada para se atingir este fim.

E se engana quem pensa que esta atividade é fácil de ser praticada. Muito pelo contrário. É preciso organização, bons relacionamentos e, principalmente, muito profissionalismo. Além disso, é relevante citar que a ocupação profissional destas empresas por jornalistas, que entendem a realidade de uma redação jornalística, torna mais fácil e proveitoso o diálogo destes profissionais com os repórteres de redação.

Portanto, mais do que nunca, a Assessoria de Imprensa é a área nobre do sistema de comunicação externo das corporações e está cada vez mais consolidada como conceito, atividade e suporte estratégico das empresas.  Hoje, um assessor de imprensa não só ajuda a construir a imagem das corporações, mas também a consolidá-la, atuando como gerente de todo um processo, desde a divulgação das ações e informações, até o gerenciamento de possíveis crises. Diante da importância deste trabalho, a existência da incompreensão sobre os trabalhos das AIs ou, até mesmo, da desvalorização desta área da comunicação institucional me assusta.

Pois como já diz Jorge Duarte, jornalista, relações-públicas e doutor em Comunicação, as Assessorias de Imprensa transformaram-se em um setor profissional, dinâmico e fundamental, um porto seguro para as redações, com alta capacidade de atender a demandas e de fornecer informações adaptadas aos interesses dos veículos de comunicação e das próprias organizações.

Para  acabar com qualquer dúvida sobre a eficácia do trabalho dos assessores de imprensa, só me resta parafrasear novamente Jorge Duarte “Ao atuarem como intermediários qualificados, aproximando fontes e imprensa, estimulando a circulação de informação verdadeira e recusando tarefas de manipulação, persuasão, e controle, os assessores tornam-se efetivo ponto de apoio de repórteres e editores, ajudando a implantar uma cultura de transparência nas relações entre organização e sociedade”.

 Thalita Guimarães

14
set

“Necejos” de consumo

Acho o artigo abaixo bacana demais e, por isso, resolvi compartilhar a reflexão. Beijos, Karin Villatore

*Mário Ernesto Rene Schweriner   Por que as pessoas sofrem? Fundamentalmente, quando suas necessidades não são satisfeitas: sono, ar, água, alimento, moradia, transporte, segurança, familiação, hospitais, todas elas condições psicobiológicas conectadas à (digna) sobrevivência do ser humano. São produtos e serviços essenciais.

Mas o surpreendente é que tantos há que também sofrem em significativa intensidade simplesmente porque não conseguem saciar desejos: pelo último modelo de bolsa, de sapato, de automóvel, a última moda de vestuário, o restaurante do momento, as marcas de grife, o luxo em evidência. Tais indivíduos ficam como que presos aos desejos, dos quais não conseguem se desvencilhar, e padecem ao não poder realizá-los. É, de forma simplória, o que denominei “necejos”, que serão esmiuçados adiante. Esses consumidores são motivados por produtos e serviços supérfluos.

Todavia, supérfluo não significa, em absoluto, um bem ou serviço negativo; inferior. Significa simplesmente secundário no rol das prioridades humanas. Atente-se para o que Veblen tem a contribuir a esse respeito:   O emprego do termo ‘supérfluo’ é a certo respeito infeliz. Tal como é empregado na vida cotidiana, traz um timbre de condenação. É usado aqui à falta de um termo melhor, que descreva adequadamente a mesma série de motivos e fenômenos, e não deve ser tomado num sentido odioso, como se implicasse um dispêndio ilegítimo de produtos ou de vidas humanas.

De conformidade com a teoria econômica, o dispêndio em questão não é mais nem menos legítimo do que qualquer outro (VEBLEN, 1965, p. 99).   Pode-se chegar a afirmar que o “supérfluo é necessário”. Explicando melhor: uma vida restrita ao necessário tenderia à vida de um mero animal selvagem, não a de um ser humano racional que arquitetou para si inúmeras fontes de prazer, fruto do neocórtex. O que pode ser dramatizado por um trecho de Shakespeare, em Rei Lear (apud BAUDRILLARD, 1995, p. 39):   Oh, não discutam a ‘necessidade’! O mais pobre dos mendigos possui ainda algo de supérfluo na mais miserável coisa. Reduzam a natureza às necessidades da natureza e o homem ficará reduzido ao animal: a sua vida deixará de ter valor.

Compreendes por acaso que necessitamos de um pequeno excesso para existir?   1. Necessidades, desejos, o essencial e o supérfluo   Observe-se como necessidades e desejos são definidos por um dos maiores especialistas mundiais do marketing, Philip Kotler, em seu livro de referência “Administração de marketing”:   Necessidade humana é um estado de privação de alguma satisfação básica. As pessoas exigem alimento, roupa, abrigo, segurança, sentimento de posse e auto-estima. Essas necessidades não são criadas pela sociedade ou empresas. Existem na delicada textura biológica e são inerentes à condição humana (KOTLER, 1998, p. 27).   E assim conceitua desejos:   Desejos são carências por satisfações específicas para atender às necessidades. Um norte-americano precisa de alimento e deseja um hambúrguer, batatas fritas e uma Coca-Cola […] Uma pessoa faminta na Ilha Maurício pode desejar mangas, arroz, lentilhas e feijão (KOTLER, 1998, p. 27).   E logo a seguir acrescenta um comentário defensivo eximindo os profissionais de marketing de criar necessidades ou que (em suas próprias palavras) o “marketing induz as pessoas a comprar coisas que não desejam” (p. 28). E como proceder para diferenciar desejos dessas necessidades?

O fato é que as necessidades são relativamente limitadas, universais e objetivamente demarcadas, os desejos são ilimitados, pessoais e subjetivos, sendo sempre uma especificidade das necessidades; uma opção particular do indivíduo. Isso gera a insaciabilidade dos consumidores, pois uma vez que um desejo tiver sido satisfeito, outro já se encontra à espreita. E são precisamente tais desejos ilimitados à matéria-prima da qual se alimenta a sociedade de consumo para atiçar os consumidores em direção a novos produtos e serviços permanentemente lançados no mercado para aplacar exatamente esses desejos sem fim.

Todavia, ao gerar essa cornucópia de produtos à disposição dos consumidores, a sociedade de consumo contribui para dificultar a demarcação das fronteiras entre necessidades e desejos, tornando-as menos nítidas, “embaçando” o conceito da “digna sobrevivência biopsíquica”. Habitação é necessidade. Mas quantos metros quadrados configuram uma residência “digna” por habitante? A partir de que metragem a moradia configura um desejo? Uma habitação de 6,5 metros quadrados seria aceitável? (Não, não é erro de revisão: são seis metros e meio quadrados mesmo…) Um grupo de ativistas lançou a Small House Society (Sociedade da Casa Pequena) para promover os benefícios ecológicos e econômicos das minimoradias.

Os modelos têm preços médios de US$ 40 mil e tamanhos que variam de 6 a 15 metros quadrados. (…) Johnson vive em uma moradia de 6,5 metros quadrados no Estado de Iowa, nos Estados Unidos. A televisão dá lugar a um notebook, alimentado pela bateria. A coleção de discos e CDs foi parar dentro de um tocador de MP3 portátil. (ÉPOCA, Ed.555, 5 jan. 2009, p.44,5)   Alimento obviamente é necessidade: proteínas, vitaminas, carboidratos. Na forma de arroz, feijão, pão, macarrão. Temperados por desejo ou necessidade? Vestir-se é uma necessidade. Mas de quantas calças ou pares de sapato precisa um indivíduo “para trajar-se de uma maneira ‘digna’!”? Provavelmente, dependerá da classe social e de sua profissão, só para citar alguns fatores.

O tempo costuma ser outro fator que nubla as fronteiras entre as necessidades e os desejos na sociedade de consumo, porque vários desejos de hoje irão configurar as necessidades de amanhã. O telefone celular era nada mais que um luxo para os brasileiros no início dos anos 1990. Hoje chega a ser uma necessidade para a maioria dos indivíduos, mesmo porque, em virtude do seu baixo preço, ingressou nos domínios de consumo das classes C e mesmo D. Outrossim, o que é necessidade para uma determinada classe social equivale apenas a um desejo para outras inferiores. Indivíduos das classes A e B costumam encarar como necessidade direção hidráulica e ar-condicionado em seus automóveis, o que não passaria de um “mero” desejo nas classes C e D. Pois então é uma missão árdua a demarcação de fronteiras claras e seguras entre necessidades e desejos.

Erich Fromm, em sua clássica obra “Ter ou ser” (1977), caracteriza duas espécies diversas de ter, uma conectada às necessidades, outra aos desejos. A primeira ele denomina “ter existencial”, “porque a existência humana exige que tenhamos, conservemos, cuidemos e utilizemos certas coisas a fim de sobrevivermos. Isso se refere ao nosso corpo, ao alimento, habitação, vestuário e instrumentos necessários a satisfazer nossas necessidades”(FROMM, 1977, p. 94-95). O ter existencial está em contraste com o “ter caracteriológico”, “que é uma tendência ardorosa a reter e conservar o que não é inato, mas que se revelou como consequência do impacto das condições sociais sobre a espécie humana como biologicamente dada”(p. 95). Uma das mais conhecidas teorias acerca das necessidades humanas é a do psicólogo humanista Abraham Maslow (1954), lembrado por sua hierarquia das necessidades. Para ele, as necessidades humanas vão num crescendo das mais básicas – as necessidades fisiológicas, envolvendo oxigênio, supressão da fome, da sede, do frio, do sono, do calor e da dor – até as mais “elevadas” – as de auto-realização.

Entre esses dois extremos se localizam as de segurançae proteção, em seguida as sociais (de afeição e filiação) e depois as de status, envolvendo reputação, domínio e prestígio.Para Maslow, a necessidade de nível mais baixo deve ser substancialmente satisfeita antes que o sujeito seja motivado pela imediatamente acima. A teoria ERG[i]é uma espécie de adaptação da hierarquia de Maslow que melhor atende à pesquisa empírica. Elaborada por Clayton Alderfer (1969), da Universidade de Yale, reduz os cinco níveis de Maslow a três: as necessidades de existência englobam as fisiológicas e as de segurança; as de relacionamento correspondem às sociais e a algumas de status e, finalmente, as de crescimento ou desenvolvimento pessoal são similares às de auto-realização.

Uma segunda diferença do modelo de Maslow para a teoria ERG é que esta aceita que mais de uma necessidade pode estar ativada ao mesmo tempo, ao passo que Maslow preconizava uma progressão em que a necessidade de nível mais baixo deve ser substancialmente satisfeita antes de focar o degrau acima. Outra teoria de necessidades é a de McClelland (1961), a qual está erigida sobre três pilares: § Necessidades de realização – enfrentar desafios, superar obstáculos, fazer melhor as coisas. § Necessidade de poder – influenciar e controlar os outros; estar no comando. § Necessidade de associação – cooperação e aceitação pelos outros. As necessidades também podem ser classificadas, independendo da teoria, de um modo bem objetivo segundo sua natureza, em viscerogênicas e psicogênicas, sendo as primeiras de premência preponderante. As necessidades viscerogênicas se originam da carência (de água e de alimentos) e da distensão, que se divide em secreção, como sexo e lactação, excreções, como urinar e defecar, e finalmente evitar danos, como dor, calor e frio. Já as necessidades psicogênicas são em maior número, dentre as quais destaco realização, nutrimento, filiação, aquisição, dominação e autonomia. Essa classificação das necessidades pode ser ampliada, observando-se que as pessoas se movimentam continuamente entre dois pólos, sempre mediadas por produtos e serviços.

O primeiro deles consiste em evitar/sanar dor e sofrimento físico e psíquico, que configura o terreno das grandes e agudas necessidades humanas, que o consumo tenta mitigar, há milênios. Necessidades básicas, universais e muito parecidas para toda a humanidade. Isto é, principalmente água, nutrientes, saúde, segurança, transporte, moradia, vestuário, educação, família e amigos, e a proteção contra frio e calor intensos. A procura de estimulação prazerosa (gratificação)também constitui uma necessidade humana, universal e materializada pelo consumo (ou as pessoas ficariam restritas ao tédio): conhecer coisas novas, pertencer, criar, empreender, possuir, poder e sentir. Principalmente este último, a premiação dos órgãos dos sentidos: perfumes, beleza, música, estímulos táteis, alimentos saborosos. É o que se denomina “circuito algedônico”, advindo da combinação dos termos gregos algos (dor) e hedos (prazer), que traz constantemente ao indivíduo informações sobre seu estado presente, e que devem condicionar todo o seu comportamento, de se distanciar da dor e se aproximar do prazer.

Tais condutas foram analisadas pelo psicólogo Frederick Herzberg (1959), que cunhou a teoria da “Manutenção/Motivação”. Para ele, o ser humano vive o seu dia-a-dia entre o equilíbrio e a remoção da insatisfação, por um lado, e o equilíbrio e a busca da satisfação, por outro. Para Herzberg, a insatisfação é removida pelos fatores de manutenção, também chamados de higiene, com base na analogia de que lavar as mãos antes das refeições evita doenças, mas não garante boa saúde. Também podem ser chamados de fatores de “déficit”, pois são sentidos quando de sua ausência. Os fatores que conduzem à gratificação, consoante Herzberg, são chamados motivacionais, ou fatores de desenvolvimento. Uma vez materialmente satisfeitas as necessidades básicas – aquelas viscerogênicas e psicogênicas recém-listadas, ou mesmo as de Maslow – o sujeito acabará por emprestar mais importância à dimensão simbólica, cultural e prazerosa do consumo, fruto do querer, do que à sua dimensão funcional, fruto do precisar (SLATER, 2002). É o que Eduardo Giannetti, em seu livro “Felicidade”, denomina “bens posicionais”[ii], referindo-se aos que transcendem os “bens primários”, que satisfazem às necessidades humanas (GIANETTI, 2002). Pois um dos principais meios de ser reconhecido pelo outro é o de desejar (e evidentemente possuir) o objeto que também é almejado por esse outro, o que René Girard denominou “desejo mimético de apropriação”.

________________________________________ [i]           ERG – Do inglês Existence, Relationship, Grow. [ii]          O termo, porém não o conceito, é de autoria de Fred Hirsh em Social limits to grow.