Arquivo mensais:janeiro 2020

23
jan

Vem aí os anos 2020

2020

Discussões à parte sobre a nova década já ter ou não começado (dizem que só em 2021), o fato é que esta última virada de ano causou uma nostalgia forte em todos que já somam algumas décadas de vida e memórias.

Eu nasci logo no começo dos anos 90, em fevereiro de 1991,  ano que ficou eternizado pelo fim da Guerra Fria com a queda da União Soviética. Aos 10 anos, portanto, vi a chegada dos anos 2000. A virada do milênio e o medo do “bug” que nunca veio também permearam as lembranças do jovem estudante que teve a exibição do seu desenho animado na TV interrompida pela transmissão, ao vivo, dos terríveis ataques do 11 de setembro.

Já a terceira virada de década se deu quando entrei na faculdade, em 2010. Mas foi a primeira vez que estava consciente de que um novo decênio se iniciava. E que 10 anos intensos foram eles! Amadureci, fiz um intercâmbio, me formei, conheci outros países, trabalhei em redações de rádios, jornais e agências de comunicação e, quase no apagar das luzes de 2019, me casei.

2020 vai ser a década da chegada da minha geração aos 30. Pois é, a criançada que gostava de Pokémon, via Angélica, TV Colosso e adorava Sandy & Junior vai “trintar”! Tem sobrinhos e filhos de amigos chegando cada vez mais, bem como a “consolidação”, por assim dizer, dos planos de carreira de boa parte daqueles que nos rodeiam.

Que seja uma década proveitosa, de preferência melhor que os anos 2010, em que tantos tumultos tomaram conta do país. Afinal, esperança temos de sobra! Gostamos de reflexões nostálgicas, ao mesmo tempo em que queremos ver logo carros voadores – ciência, você nos prometeu…

André Nunes

17
jan

Intimidade

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Assumi as saudades como um elemento constante dentro de mim, que às vezes sinto quase como uma dor física no peito. Como as saudades que sinto de Portugal. É o país em que morei por um período da minha vida e que sempre esteve comigo, por meio das histórias do meu avô, imigrante da Ilha da Madeira. No ano passado, pude retornar ao país lusitano e à cidade em que vivi, Coimbra, que não por acaso inspirou o fado “Saudades de Coimbra”, do poeta José Afonso.

“Ó, Coimbra do Mondego

E dos amores que eu lá tive

Quem te não viu anda cego

Quem te não amar não vive”

E o clássico fado “Balada da Despedida”, criado pelo poeta e compositor Fernando Machado Soares.

“Coimbra tem mais encanto, na hora da despedida.

Que as lágrimas do meu pranto, são a luz que lhe dá vida.

Quem me dera estar contente, enganar minha dor.

Mas a saudade não mente, se é verdadeiro o amor”

Só de ler essas palavras já me afloram as saudades outra vez.

Coimbra é uma cidade de passagem para a maioria das pessoas que vivem ou viveram lá. A maior parte dos moradores são estudantes que vão à Universidade de Coimbra, como foi meu caso, e que após um período de estudos e das vivências alegres da juventude pelas ruelas da cidade, voltam para suas casas em outras partes do país ou do mundo.

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Passei apenas um dia e meio em Coimbra durante minha última viagem — cheguei lá no dia do meu aniversário de 27 anos, o que tornou a data ainda mais especial para mim —, mas foi o suficiente para meu peito se renovar de amores por aquele lugar.

Fiquei emocionada ao pisar novamente naquela que foi a minha cidade anos antes. Foi com muita alegria que novamente cruzei a ponte de vitrais coloridos sobre o Rio Mondego, subi e desci as infindáveis ladeiras da cidade, parei para tomar uma ginjinha em uma tasca e comemorei a idade nova com um expresso e um pastel de nata com muita canela em um dos cafés nas redondezas do Largo da Portagem.

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Caminhando pela Baixa de Coimbra, passei em frente ao predinho em que vivia, uma residência estudantil que abriga algumas dezenas de estudantes de várias partes do mundo e, para minha sorte, encontrei um dos proprietários do local, o Miguel, ali em frente. Após conversas sobre os velhos tempos, ele me deu a chave para que eu pudesse entrar e relembrar os momentos em que vivi ali. Como foi bom poder novamente subir aquelas escadas, caminhar por aqueles corredores que seriam tão comuns para alguns, mas cheios de significados e memórias para mim.

Quando eu e meus colegas de residência vivemos ali, anos antes, havia duas ou três fotos em uma grande parede de um grupo de pessoas que moraram ali antes da gente. Antes de cada um voltar para suas cidades e países de origem, colamos várias fotos de momentos nossos por ali também. Eu me questionava se aquelas imagens continuariam ali, anos depois, e sim, lá estavam elas, agora ao lado de dezenas de outras fotos de quem morou ali nos anos posteriores.

Recebi muitas mensagens de amigos que viveram comigo naquele período quando viram algumas fotos que postei do nosso antigo lar. Com uma amiga, que era a mais próxima quando vivemos ali, falei sobre tudo o que eu senti de volta a Coimbra, e ela falou sobre como, mesmo anos depois, a cidade ainda continuaria nos sendo íntima.

Gostei de pensar o conceito de intimidade para uma cidade. Na verdade, esse adjetivo foi o que melhor descreveu o que senti nesse breve retorno. Sinto que, mesmo passado o tempo, Coimbra continuará sempre íntima, com suas ruas de pedra que estão lá há séculos, as casinhas e prédios tipicamente portugueses, a tranquilidade da vida. Muda-se algo do cenário, muito dos moradores, mas, no fim, é sempre como reencontrar uma velha amiga que amamos. Eu guardo meu afeto por ela, e ela minhas lembranças vividas ali, tão doces quanto licor de ginja.

Stephanie D’Ornelas

9
jan

A multa e o luto

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Recebi uma multa. Não foi uma qualquer, mas sim uma “infração gravíssima ao artigo 280, parágrafo terceiro do Código de Trânsito Brasileiro”. Para os não entendidos, o condutor infrator, vulgo eu, foi flagrado fazendo uso de telefone celular com o veículo em movimento. Veículo em movimento, segundo o CTB, é qualquer carro que não esteja estacionado apropriadamente com o motor desligado (meu nazista gramatical interior grita).

No momento que recebi a notificação de autuação já comecei a desacreditar do carteiro. “Não, você não pode estar fazendo isso comigo!”, dizia eu incrédulo. “Mas eu sou só dos Correios, moço”, respondia o rapaz de azul e amarelo inocentemente constrangido. “Eu não posso estar recebendo uma multa I-D-Ê-N-T-I-C-A à de um mês atrás. Eu mereço!”, saí vociferando, praguejando e mancando, visto que estou com o pé quebrado.

Nisso minha cabeça fervilhava. O universo estava de sacanagem com a minha cara. Já não basta estar preso em casa, com o pé quebrado, um calor dos infernos, ainda me vem outra multa. Ainda por cima um repeteco da anterior, nem para serem originais! Malditos periquitos, câmeras de trânsito e delatores de infratores de trânsito. Que vocês passem a eternidade pisando em legos e batendo o dedinho na quina da mesa.

Para completar a tragédia só faltava agora começar uma terceira guerra mundial ou termos a volta do Roberto Carlos nos especiais de Natal. Comecei a relembrar de todas as catástrofes que assolaram a minha vida, desde a tia da cantina me dizer que tinha acabado a coxinha lá pelos meus 11 anos, até todos os vídeos de alguém maltratando animais. O mundo está perdido!

Mas, talvez nem tudo estivesse perdido. Quem sabe a minha situação fosse passível de salvação. Passei a procurar freneticamente alguma forma de não pagar a multa. Vasculhei a internet e mandei mensagem para vários conhecidos esperando alguma resposta para o meu dilema… afinal, eu era uma pessoa boa, não poderia estar acontecendo isso comigo. Tentei lembrar quem poderia assumir os pontos. Cogitei pedir patrocínio familiar para dividir as despesas. Enfim, tudo isso num intervalo de 15 minutos de autonegociações.

Foi então que me bateu a triste realidade: eu teria que arcar com as consequências dos meus atos, como gente grande. “É, mané, agora você vai ter que dominar essa bola no peito e assumir a bronca. Não foi você o bonzão que não conseguiu esperar até estar fora do carro para olhar o zap zap? Então. Te vira! Dá teus pulo!”

Não sei vocês, mas a minha voz interior faz bullying comigo. Eu a imagino como um daqueles atores de filmes de ação: dois metros de altura, 120 quilos de puro músculo e poucas palavras para dizer, exceto meia dúzia de frases de efeito. Ou quem sabe minha voz interna seja o Mano Brown do Racionais MC.

Mas daí o meu lado suscetível veio à tona. Relembrei de todos os momentos em que a vida tinha me derrubado do meu unicórnio lilás, como diz o Leandro Karnal. Senti de novo todas as tristezas de todos os castelinhos de areia que construí com as minhas expectativas de vida. “Nada dá certo pra mim, mesmo! Minha existência é uma mentira! Leave Britney alone!”, dizia meu outro eu interior que mais parece uma adolescente fã de Hanson quando descobre que eles estão velhos demais para responder às 673 cartas de amor enviadas 20 anos atrás.

Foi quando uma outra voz interna, esta bem mais racional, sensata e madura, me disse: “Ei, já deu. Toda ação tem uma reação, não adianta espernear nem querer chantagear o universo. Tudo acontece por um motivo. Senta, reflete e só aceita”, disse meu eu interno que mais parece uma astróloga ou psicóloga transpessoal de quarenta e poucos anos com aquelas roupas indianas e sandália de Moisés. E sabe que a moça aqui de dentro tinha razão? Parei. Devo, não nego, pago quando puder. Só tenho que andar na linha por um tempo agora para não perder a carteira, parar de ser tão cabeçudo e passar a respeitar as leis de trânsito. Uhul, estrelinha para mim.

Antes que eu comece um diálogo entre o Mano Brown, a fã do Hanson e a psicóloga transpessoal, quero dizer que depois disso tudo eu tive uma epifania: Eu acabei de superar o luto pela multa de trânsito!

Você provavelmente já ouviu falar que quando perdemos um ente querido passamos pelo processo do luto. A tristeza, a negação, a raiva e a falta de aceitação hoje são sentimentos bem conhecidos e reconhecidos por aqueles que já sofreram alguma perda. Isso se deve ao trabalho da psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, autora do livro On Death and Dying, em que apresenta o modelo que leva seu nome. Este modelo descreve estágios pelos quais passa uma pessoa quando lida com perdas, luto e tragédias. Eles se tornaram populares e são conhecidos popularmente como Os Cinco Estágios do Luto: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Reconheceu algum no meu relato ali em cima? Muito bem, continue.

Neste ponto você deve estar se perguntando: “Mas que diabos o luto tem a ver com uma multa de trânsito?” Eu explico. Kübler-Ross, ou Bete para os íntimos, explicou que esta metodologia aplica-se a qualquer forma de perda pessoal “catastrófica”. Além disso, também alegou que nem todo mundo passa por todos os estágios ou nesta ordem específica, mas que todos experimentam pelo menos dois.

No meu caso, tudo aconteceu num intervalo minúsculo de tempo, com alguns surtos psicóticos internos das vozes na minha cabeça e coceiras dentro da bota que está aprisionando meu pé numa existência horrível. Porém, é bem nítido que os aspectos do luto descritos pela Bete podem se encaixar nas mais variadas situações da vida, não precisa ser só no velório daquele tio, a que sua mãe obriga a ir mesmo sabendo que você só o viu duas vezes quando estava de fralda e aparentemente arrancou um tufo de cabelo da orelha dele com um golpe de gengiva.

Existem nuances diferentes da importância das coisas para as pessoas, os indivíduos têm histórias de vida, formações e aptidões diferentes entre si. Não podemos colocar todos em uma caixinha só, mas podemos destruir as caixinhas e perceber que tudo pode se aplicar a todos em alguma situação ou momento, e tudo pode ser compreendido de uma forma mais leve, inclusive o luto.

Câmbio, desligo.

Lucas Jensen