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out

Sabedorias

Chover no molhado afirmar que o Brasil é um retalho de vários países e que a gente não conhece a própria terra. Ainda mais quem vive no Sul Maravilha, acha mais interessante aproveitar o “bom momento” da economia e conhecer o exterior. Mas, quando decidimos descansar em bandas tupiniquins, percebemos que o estrangeiro mesmo é aqui.

 

Foi o que aconteceu comigo semanas atrás, em viagem aos confins nordestinos. Praias lindas, repletas de nativos e europeus quase nativos (moram lá há anos ou surfam lá todos os anos, durante as férias de dois ou três meses que eles costumam tirar). Este segundo grupo é uma questão lá do Velho Continente e não vale teclada aqui. Já o primeiro é compatriota e merece o pensar.

 

Em uma praia como Jericoacoara, da moda e badalada, uma casinha simples perto do mar chega a valer milhão ou até milhões. Só mora bacana? Pelo contrário, a maioria é de filho de pescador que hoje vive do turismo e herdou o casebre. E eles querem vender a casa, embolsar o dinheirama e, finalmente, virar o tal? Se eu vendesse, não saberia o que fazer com tanto dinheiro. E eu sou feliz aqui. Foi a resposta do bugueiro que me levou a uma lagoa que merece com todas as letras o nome de Paraíso, a cerca de meia hora de Jeri, como eles chamam a cidade por lá.

 

Aliás, este mesmo bugueiro, de apelido Novo porque era o caçula de uma penca de irmãos, é o filho de um dos mais notáveis pescadores da cidade. O pai, que já morreu, conseguia capturar em um único dia três peixões de dez quilos. No anzol. E num barquinho onde mal cabia o peixe. Lembrei de O Velho e o Mar. E na infância do Novo era peixe no café, no almoço e no jantar, numa época em que não havia luz e nem saneamento em Jeri. E o Novo tem a minha idade e parece amigo do meu filho.

 

No caminho para a lagoa, um velhinho caminhando nas dunas à la Saara, de chinelo de dedo, camisa e bermuda. E o novo me pergunta se pode oferecer carona. Claro! O senhor entra e explica que tinha ido a Jeri tentar fazer negócio com um cavalo. O negócio não deu certo e ele estava voltando pra casa. Um trajeto de 3 horas de ida e 4 de volta, por causa do sol a pino, da fome e do cansaço. Ah, só entendi a história porque o Novo “traduziu”, já que a fala do senhor era absolutamente incompreensível para o meu ouvido de jacu.

 

Na volta, o Novo me avisou que no dia seguinte iria chover um pouquinho, mas que o tempo bom iria continuar logo na sequência. O pai pescador ensinou a saber o tempo. Era Dia das Crianças e nenhuma criança da comunidade pareceu, nem de longe, triste por não ganhar presente.

Beijos,

Karin Villatore

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