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22
ago

Desenhe pelo desenho

 desenhe

Minha relação com as letras sempre foi próxima. Na infância amava ler gibis, depois passei para as revistas e livros. Redação era minha matéria preferida na escola e, como decidi ser jornalista, continuei usando as palavras para expressar minhas ideias do cotidiano ao ganha-pão. Quando eu era criança também gostava de desenhar, e até achava que tinha potencial para isso, mas com o passar dos anos deixei de me dedicar à arte da representação gráfica. Foi quando comecei a fazer a faculdade de Design Gráfico, no início deste ano, que o desenho renasceu na minha vida.

Cheguei com travas — ainda não totalmente desbloqueadas — por pensar que talvez minha habilidade como desenhista não fosse suficiente para o curso. Eu não estava sozinha. São muitos os estudantes que iniciam a faculdade nesta área sem confiar plenamente em seu potencial para o desenho.

Quando somos crianças, amamos criar universos com lápis de cor, giz de cera, canetinhas e tudo o que produzir manchas coloridas num papel (ou mesmo numa parede que estiver dando sopa). Mas, por algum motivo, grande parte de nós cresce acompanhado das neuroses que nos sussurram de que não sabemos desenhar ou que somos pouco criativos.

Dias atrás vi uma postagem em uma rede social de um ilustrador que admiro muito dizendo que ele tinha se tornado desenhista porque foi uma criança que nunca disse a si mesmo que não sabia desenhar. São muitos os relatos de crianças que são corrigidas por pais e professores por colorirem uma imagem com as “cores erradas”, por que, teoricamente, as tonalidades escolhidas não representam a realidade.

No século passado, o icônico cachimbo do surrealista René Magritte dava a dica:

“ceci n’est pas une pipe” ou, no português, “isso não é um cachimbo”. As imagens não são a realidade em si. Mesmo assim, a sociedade continua podando o modo como as crianças desenham, até que todas se encaixem em um padrão e que muitas cresçam achando que o desenho não é para elas.

Outro grande obstáculo é acreditar que o desenho só deve ser feito para alcançar um fim específico. Colocamos tanta expectativa no resultado final que o processo se torna muito intelectual e pouco prático. Tenho aprendido a simplesmente desenhar por desenhar. Aproveitar o processo. Em uma aula da faculdade, uma aluna perguntou ao professor se um trabalho de ilustração que faríamos em sala seria apenas um esboço ou se já deveríamos nos preparar para entregar no mesmo dia. Ele explicou que, para ele, tudo era o resultado final: desde os nossos primeiros traços.

Se você quer começar a desenhar, não pense muito: apenas desenhe. E se você não estiver satisfeito com o resultado, continue desenhando. Todos os grandes desenhistas têm anos de prática e dedicação. Livrar-se das amarras tem sido, para mim, um processo maravilhoso de redescoberta de mim mesma. Afinal, desenhar apenas pelo ato de desenhar é uma forma de expressão tão forte quanto as palavras.

Stephanie D’Ornelas