13
nov

Irlanda: simbologia e curiosidades

Há dez meses retornei ao Brasil após um período intenso e sabático em Dublin, na Irlanda. Não imaginei que ficaria com tanta saudade dessa ilha. Não imaginei que aquele país pudesse me mostrar tantas coisas novas, conhecer tantas pessoas incríveis, e me fazer perceber que, realmente, o mundo é uma esquina.

De tudo o que vivi por lá, o que mais me marcou foi o aspecto cultural daquele país, seus costumes, histórias e, até mesmo, um estilo de vida despojado, alegre e com muita, mas muita cerveja. Sem falar na sua literatura clássica, que vai de Oscar Wilde a Samuel Beckett, e sua magnífica dança, de encantar e encher os olhos de lágrimas.

Queria dividir com vocês um pouco das curiosidades e histórias da ‘ilha esmeralda’, assim, eu também mato um pouquinho a saudade…

O leprechaun – Sabe aquele duende que fica no fim do arco-íris guardando o pote de ouro? Mora lá na Irlanda! Ele faz parte da lenda irlandesa (algo como o nosso saci) e é conhecido como um homem leprechaumpequeno, com roupas verdes, bigode, olhar simpático e um cachimbo na boca. São conhecidos por serem os sapateiros das fadas e são bem pequenos, com 30 ou 50 cm. Os leprechauns são considerados guardiões ou conhecedores de vários tesouros escondidos. Para conquistar tais tesouros deve-se capturar um leprechaun e nunca perdê-lo de vista. Caso contrário, ele desaparece no ar. Costumam ser bons, porém, gostam de pregar peças. A crença é tanta que existe um museu inteiro dedicado a eles, o National Leprechaun Museum.

TrevoO ‘shamrock’ ou trevo de três folhas – É um dos símbolos da Irlanda. A que significa “pequeno trevo”. Esta plantinha, comum na ilha, foi usada por São Patrício, que converteu o povo irlandês ao catolicismo, palavra inglesa ‘shamrock’ é a derivação do termo irlandês ‘seamróg’, explicando através de suas folhas o conceito da Santíssima Trindade. O povo, que até então mantinha a religião celta, foi convertido ao cristianismo, que se tornou a religião oficial do país.

A harpa – Instrumento tradicional dos bardos e poetas da Irlanda, sempre esteve intimamente ligado ao passado celta, que sempre foi independente. A harpa foi banida durante a dominação britânica, num período em que era comum as harpas serem queimadas e harpistas serem executados. A primeira bandeira irlandesa era verde com a harpa dourada no centro, que simbolizava a luta dos irlandeses majoritariamente católicos contra os ingleses protestantes. Esta guerra durou décadas, sacrificou muitos irlandeses e, com o seu fim, foi adotada a atual bandeira tricolor, com o verde simbolizando a Irlanda, o laranja remetendo aos ingleses e, no meio, o branco representando a paz entre os povos.

O “Saint Patrick’s Day” – Todos os anos, no dia 17 de março, irlandaé  comemorado o dia do padroeiro da Irlanda. Além das comemorações eclesiásticas, ocorre uma grande parada na sua capital, Dublin. Imagine uma mistura de Dia 7 de setembro, Dia de Nossa Senhora Aparecida e Carnaval. É exatamente isso o que acontece: desfiles de grupos fantasiados, carros alegóricos, bandas, pessoas vestindo as cores da bandeira e, claro, regado a muita bebida. Afinal, este é o único dia em que é liberado tomar bebida alcoólica nas ruas.

D'ArcyOs pubs irlandeses – É uma abreviação de Public House. São tipicamente decorados e socialmente frequentados para reuniões familiares, encontro de amigos, pessoas que vão assistir aos tradicionais jogos de rugby ou futebol gaélico (um esporte que, em minha opinião, é uma bagunça só, mas eles amam), ou somente beber, e isso já é um bom motivo para se visitar um pub. A região mais famosa de Dublin, e a que concentra os mais famosos e frequentados pubs, é conhecida como “Temple Bar”, um local sempre muito movimentado e repleto de turistas de todo o mundo.

O café da manhã – Este cardápio é só para os fortes ou aqueles irlanda 3 que não têm problemas com a balança. Um prato composto de linguiça tipo chouriço, bacon, ovos, feijão, tomates e torradas, acompanhados por café, chá ou suco de maçã. Com essa refeição toda, quase não sobra estômago para o almoço que, normalmente, é substituído por um sanduíche. Minha consciência não me deixou comer bacon e linguiça pela manhã em toda a minha temporada por lá.

A música e a dança irlandesa – A batida é inconfundível e a vontade de sair dançando é imensa, mas só os realmente bons conseguem. A mistura de violão, flauta celta, violino, harpa e um instrumento de percussão típico do país chamado bodhrán criam uma harmonia acústica perfeita, uma batida característica que te remete às velhas tabernas de filmes históricos, e te faz dançar mesmo que involuntariamente. Quase todos os pubs têm grupos tocando ao vivo e, ocasionalmente, com dançarinos. Já a dança irlandesa, para quem não sabe, é a origem do nosso conhecido sapateado. Foi criada no século dança irishXV, quando os camponeses usavam sapatos de solados de madeira que ajudavam a aquecer os pés e tinham como distração “brincar com os ritmos” que os solados faziam no chão. O sapateado irlandês sofreu diversas influências dos celtas, nômades e ingleses.  O gingado irlandês exige de seus bailarinos um rápido e complexo trabalho dos pés, com os braços próximos ao tronco, e a parte superior do tronco quase que imóvel. O grupo mais famoso de dança irlandesa é o “Riverdance”, que apresenta seus espetáculos por diversos países. Quem tiver a oportunidade de assistir, vá! É incrível.

Sinceramente, eu ainda volto para visitar esse lugar…

Aldy Coelho

6
nov

Dicas de Jeri

Pretendo me aposentar em Jericoacoara, uma praia paradisíaca do Ceará. Fui pra lá duas vezes e, logo na primeira, eu me apaixonei pelo lugar. Volta e meia amigos me pedem dicas de onde ficar, como chegar, o que comer e coisa e tal. Pra facilitar a vida de todo mundo, seguem abaixo algumas sugestões.

O

Eu e minha amiga Léli, no caminho lindo entre Jeri e as lagoas.

Adorei a Pousada Isabel, que fica em frente ao mar. O quarto, que dá pra 3 pessoas, é bem limpo, tem banheiro próprio e ar-condicionado. Custa R$ 50 por cabeça. Mais informações em www.pousadaisabel.com (sem br no final).

Pra ir de Fortaleza a Jericoacoara, recomendo o ônibus (que é mais barato e mais prático que os carros 4X4). Dependendo do horário, eles saem do aeroporto ou da rodoviária. Custa R$ 80 por pessoa, ida e volta. Com a Fretcar (85) 3402-2244/22 ou www.fretcar.com.br

Lá em Jericoacoara, não peguem buggy pra ir pras lagoas. Andem de jardineira, que é bem mais barata e divertida (a diferença é de R$ 150 por passeio pra R$ 10!!!!). As jardineiras saem da praça principal. Os “locais” não comentam sobre isso pra não sacanear com os bugueiros.

Restaurante bom e barato é o Estrela do Mar. O casal de donos, Luzia e Raimundin, é ótimo! Tem prato feito, com peixe fresco, arroz, feijão e salada. Aliás, os restaurantes caros ficam na rua principal. Os bons e baratos, nas ruas paralelas – tipo este Estrela do Mar.

Lagoa do Paraíso é a minha preferida. Eu costumo ficar na parte atrás da Pousada Chez Loran. Os caras da jardineira sabem e te deixam na porta. Você fica na lagoa o dia todo, tem redes simplesmente dentro da lagoa pra deitar, cadeiras confortáveis na beira da lagoa e o pessoal do restaurante da pousada fica te oferecendo suco de fruta natural, camarão, cerveja gelada….. O uó de bão!

Só pra fechar, lembro que Jeri é point mundial de wind e kitesurf. Então, é sol o ano todo com bastante vento. Ou seja, calor sem suor.

 Beijos,

 Karin Villatore

29
out

Um desabafo

Vou estar falando uma coisa para vocês: não vai estar sendo fácil ser cidadã do mundo nos próximos anos. Sim, o gerundismo é proposital. Dizem por aí que política, religião e futebol não se discutem, mas o que mais estão fazendo por aí é isso, discutir política, religião e futebol. Se fosse só discutir, estaria valendo, mas o pessoal não se contenta com isso e parte pra briga, pra luta, pra falta de respeito e beira à loucura querendo expor e ditar sua opinião a todo custo. Gente, peraí, não vivemos em uma democracia não?

Dilma-x-Aécio

Sou adepta da frase que posso não concordar com o que uma pessoa diz, mas defenderei sempre o direito que essa mesma pessoa tem em dizer o que pensa, com o devido respeito, obviamente.

Todo o processo eleitoral este ano mostrou uma coisa: o povo brasileiro não respeita e não sabe conviver com opiniões que são diferentes. E digo mais, não somente opiniões, tudo que difere do nosso próprio umbigo está errado: não gostamos de gays, somos contra o casamento de pessoas do mesmo sexo, não gostamos de nordestinos, criticamos os pobres, detestamos lésbicas, temos pavor de negros, haitianos e angolanos, não gostamos de gente que trabalha em obras, não curtimos muito o movimento feminista. A gente também não gosta muito de crentes e nem de ateus, aliás, ter religião tá meio ultrapassado.

Em contrapartida, a gente também não gosta de gente que se dá bem na vida, é um crime nesse país ganhar um pouco de dinheiro e ter uma vida confortável de maneira honesta. É um absurdo ser empresário e achar os impostos caros, é péssimo ter condições de comprar um carro do ano, ser inteligente e ter opinião própria vai contra os princípios culturais, ser loira é muito démodé, ser morena tá fora de moda, ser gorda é ruim, ser magra é sinal que você é anoréxica. Gente, parem, pelo amor de Deus, simplesmente parem.

Após a vitória da Dilma, vi os mais absurdos comentários preconceituosos de ambos os lados, tanto do pessoal do PT dizendo que quem votou no Aécio era “playboy, rico, coxinha e não gostava de pobres” (não vou escrever aqui as palavras de baixo calão pois tento ser educada), como dos peessedebistas de plantão, falando que “os nordestinos estragam o país e somos a favor do movimento separatista”. Nada a comentar, absolutamente nada. Todas as palavras e argumentos seriam inválidos diante de tamanha falta de respeito.

Reproduzo aqui, com todo o respeito do mundo, a minha humilde opinião. Minha posição política eu deixo clara para algumas (poucas) pessoas. O que desejo é muita sorte para os brasileiros. E que a presidente reeleita faça uma boa gestão, todos os brasileiros vão precisar disso. Abaixo um dos decálogos mais famosos que conheço, que acredito trazer boas lições de governo.

O decálogo de Abraham Lincoln

Você não pode criar prosperidade desalentando a Iniciativa Própria.
Você não pode fortalecer ao débil, enfraquecendo o forte.
Você não pode ajudar os pequenos, esmagando os grandes.
Você não pode ajudar o pobre, destruindo o rico.
Você não pode elevar o salário, pressionando a quem paga o salário.
Você não pode resolver seus problemas enquanto gasta mais do que ganha.
Você não pode promover a fraternidade da humanidade, admitindo e incitando o ódio de classes.
Você não pode garantir uma adequada segurança com dinheiro emprestado.
Você não pode formar o caráter e o valor do homem lhe tirando sua independência (liberdade) e iniciativa.
Você não pode ajudar aos homens permanentemente, realizando por eles o que eles podem e devem fazer por si mesmos.

Fabíola Cottet

23
out

A Casa dos Hippies

Não há pessoa que passe pela Rua Rosa Saporski em Curitiba que consiga ignorar a casa mais fora do tradicional o possível, que eu e amigas da época de escola apelidamos carinhosamente de Casa dos Hippies. Situada nas Mercês, bairro tradicional da cidade, e em meio a vários sobradinhos sóbrios e austeros que lembram um condomínio europeu, a casa amarela se destaca. Seja pelas árvores nunca podadas, pelos símbolos esotéricos espalhados pela calçada ou pela bunda – sim, uma bunda – pintada num tronco em frente a casa, a construção é digna de olhares curiosos. E não só dos moradores do bairro – segundo a dona, ônibus cheios de turistas já pararam por ali para fotografar.

casa

Pregada no muro, uma placa avisa “Cuidado, cão bravo”, mas quem vem latindo quando se toca a campainha é uma cadela linguicinha. Quando se passa pelo portão da casa, logo se nota a calçada, que parece feita dos ladrilhos de brilhante daquela canção antiga, mas que, na verdade, é de granito reciclado. Um carro branco tão excêntrico quanto tudo ali fica estacionado no fundo da garagem cheia de cacarecos. Parece uma mistura de Kombi com um daqueles carros-fortes que carregam dinheiro. Onde deveria ser o jardim, há quase que uma pequena floresta, com várias árvores plantadas, dentre elas uma macieira e uma pereira. Na frente da casa, além do muro, um misto de mudas encobre um banquinho, disponível para qualquer um, corajoso, diga-se de passagem, sentar-se lá.

Qualquer um que entra na casa se vê num relicário de histórias perdidas. Violões pendurados, relógios antigos, cassetes doados por uma locadora quando esta modernizou o sistema para o DVD, uma coleção completa de anõezinhos que vinham no Kinder-Ovo nos anos 90 e uma quantidade absurda de televisões e cabos eletrônicos espalhados pelo chão, pelo teto, pelas paredes.  Cada objeto da casa tem seu valor, não financeiro, mas emocional. A casa tem ao todo quatro estreitos andares, e no terceiro existe um tesouro inestimável. Uma maquete de uma cidadezinha imaginária construída pelo filho engenheiro do casal toma conta do aposento. Confeccionada com perfeição, tem cada detalhe muito bem pensado.

O andar acima é um desafio, até para conseguir alcançá-lo. Para até lá, há uma escada na parede nem um pouco indicada para quem tem medo de altura. Mas o risco de subi-la vale, e muito, a pena. Um quartinho minúsculo cujo teto é todo decorado de painéis eletrônicos, chips de computador e tudo mais, faz com que o ambiente pareça uma nave especial. Uma luneta gigante cor de cobre fica guardada ali, e quando dá, o casal vai ao terraço para observar o céu à noite.

A maior parte das coisas foi reformada pelo dono da casa, o verdadeiro colecionador das traquitanas e tralhas, visto que pela esposa a bagunça não seria tanta – “a gente não dá conta de arrumar tudo”, diz ela. Quem os vê na rua não imagina que morem numa casa assim. Ele, um homem já grisalho e um pouco fora de forma, de diferente tem no máximo as mãos, que tem alguns dedos faltando. Já ela é uma senhora fofa, com bochechas rosadas e cabelos pretos cortados bem curtinhos, que carrega sempre uma corrente com pingente em forma de cruz. Casados desde o antigo colegial, os dois vivem ali há 38 anos e não levam uma vida muito fora dos padrões: têm dois filhos, que já moram em outros lugares, a cadelinha e alguns gatos espalhados pela casa. E, ao contrário do que muitos pensam, a casa também não tem mistério. “O que você tem que saber, é que nós não gostamos de ter nada igual ao dos outros, por isso a casa é assim”, declara o dono, com um orgulho que se vê nos olhos.

Hoje, a casa já faz parte do coração daquela parte das Mercês. Se um dia algum vizinho acordasse e não a visse mais lá, certamente perderia a fome de tomar café. A rua perderia o brilho e o colorido. A Casa dos Hippies faz algo mágico: desperta a curiosidade e o espírito de aventura presente em cada um que passa por lá. É impossível não sentir vontade de pular o muro e explorar. Quando alguém passa, certamente se pergunta “Quem é que mora nessa casa tão bizarra? Um louco, uma bruxa, um hippie?” Mas acontece que não é nada disso, mora lá o homem grisalho e a senhora fofa, num mundo que, para eles, não passa de normal.

15
out

Brasileiro gosta mesmo é de rivalidade, né?!

O brasileiro é um povo esquisito, chato (desculpem por generalizar tanto). Quando o assunto é futebol, religião e, a cada dois anos, política, prepare-se pois, como diriam na minha cidade, a pequena Tuneiras do Oeste, no interior do Paraná, “o coro vai cume na casa do Noca”. Nas redes sociais é praticamente impossível se manifestar ou debater esses temas (e especialmente a política nesse período) em um bom nível e sem encontrar inúmeros exemplos de intolerância, ignorância e porque não, burrice!

O meu time e a história dele são superiores a qualquer um, ninguém chega aos pés do meu ídolo, minha torcida é a melhor e fazer piada com o nosso mascote é desrespeito. O rival? Só uma palavra pra ele: “#$%&_)@”!

Os ideais pregados pela minha religião são soberanos, são bons para o mundo, deveriam ser seguidos por todos. Já o que prega aquela outra religião ali, credo, Deus me livre, é melhor ser ateu. Minha religião é a melhor. E quanto àquela outra: “#$%&_)@”!

rivalidade

Contra aquele candidato que não me agrada e eu nem sei o motivo, vale tudo, até mentiras e boatos sem fundamento. Contra o meu candidato, ahhhhh, não. Aí não pode ser leviano, não é permitido falar algo que não se prova. Meu candidato é o melhor, é mais bem preparado para o país, mais inteligente e mais bonitinho. Sabe o que eu falo para aquele outro, o adversário? “#$%&_)@”!

No momento que vivemos impressiona a cabeça fechada e a intolerância das pessoas nas redes sociais. Falando especialmente de política, impressiona a forma como as pessoas lidam com posições diferentes. A impressão que dá é que se um grupo de pessoas com posições contrárias se encontrassem nas ruas, haveria uma briga épica que duraria 5 dias e 5 noites. Impressiona a forma como as pessoas embarcam em qualquer boato e compartilham qualquer bobagem (desde que seja contra o candidato rival).

Parece que o certo é definir um lado e a partir disso ignorar ou ofender ao máximo o lado oposto. Não importa se há propostas interessantes do outro lado, não interessa se há algo positivo no “rival”. Afinal, ele é um “rival”, como aquele do futebol, não é?!

E você aí, me respeite; isso é uma democracia; abra o olho… e não ouse discordar de mim!

Lucas Reis

8
out

Sobre eleições e puerilismos

 

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Lembro da primeira eleição em que participei ativamente. O ano era 1996 e eu tinha pouco mais que meia dúzia de anos. Isso porque a novidade da urna eletrônica fez com que minha avó Zilá me pegasse no colo e me deixasse digitar os números e apertar o botão verde.

Foi sensacional. Me senti super importante, no entanto, morri de medo que minha avó fosse presa já que todos diziam que o voto era secreto. Na minha cabeça, ser secreto era sinônimo de não poder falar de jeito nenhum em quem votou, sob pena de passar umas noites no xadrez. Ela abriu o jogo do voto justo comigo, que corajosa, pensava.

Não foi o caso. Voltamos para casa lépidas e faceiras e com o dever cumprido. Eu não sabia qual estrago minha avó tinha me permitido fazer, só descobri depois de adulta que aqueles candidatos eleitos pelos meus dedinhos eram os piores possíveis. Só então entendi o sentido de “secreto”. Boa vó, obrigada por mais essa!

Nessas descobertas todas, entendi que eu podia pensar diferente da minha avó e continuar amando-a sem que houvesse brigas de foice, ameaças de morte, injúrias, difamações e frases preconceituosas envolvendo os candidatos que ela escolheu, sua idade, peso e local de nascimento.

Nessas eleições, lá se vão 15 anos sem a vó Zilá e quase 20 do dia em que apertei os botões por ela. E o que mais me surpreende é que, atualmente, parece que todos nós ainda temos aquela mesma meia dúzia de anos que eu tinha ao discutir sobre política.

Agressões, argumentos sem fundamento, papo furado, sociologia a partir do seu próprio umbigo, achismos, Facebook como muro de lamentações/diário/ai meu Deus quero sair daqui/você não presta/vou te deletar. Além, é claro, do “bom e velho” preconceito racial, social, de gênero e regional. Pérolas da tecnologia que te permite ofender sem ter que mostrar sua cara e criar um discurso plausível com mais de 140 caracteres. Acho que você não entenderia, vó.

Dia desses um primo meu me disse que “havia feito a sua parte” na eleição. Entendi completamente o que ele dizia, no sentido de querer o bem para todos, garantir direito de minorias e um estado laico de fato. Mas foi aí que me veio o clique: a grande questão é que todos nós, do alto do nosso puerilismo político cremos piamente que fizemos “a nossa parte”.

O que será que é fazer a nossa parte quando somos mais de 200 milhões? Estou longe de ser Pollyanna, mas acredito em uma sociedade de fato laica. Acredito no próximo, ainda que não tenha nascido no mesmo local que eu. Acredito mais em pobres que em ricos, é verdade, mas acredito.

Acredito que minha religião ou não-religião deve ser respeitada. Creio que meus irmãos, que infelizmente não puderam desfrutar da presença da dona Zilá, possam viver em um país igualitário. Assim como meus filhos e até mesmo eu quando tiver a idade da minha avó.

Se eu tivesse o mesmo tempo de TV e rádio que os candidatos têm, aproveitaria para pedir que a gente seja menos massa e mais críticos. Que haja mais proposta e menos falação. Menos partidários e mais pensantes. Mais tolerância, capacidade de colocar a cabeça no lugar para analisar o que vem por aí.

Não queria que vibrassem com um debate que vai e vem e acaba caindo em ofensas pueris. Quando vejo esses memes nas redes sociais penso logo em: a bola é minha e você não brinca mais.

Somos tão jovens, com apenas 514 anos temos muito o que aprender sobre respeito, cidadania e tolerância. Precisamos fazer terapia coletiva para entendermos a nós mesmos. Compreender sobre democracia, esse direito que nos foi dado há tão pouco tempo e que ainda não sabemos usá-lo. Sigamos, brasileiros.

Será que continuo sendo aquela mesma criança que apertou os botões em 1996? Tomara que sim. Beijo, vó!

Marina Oliveira

 

2
out

Superação

Há 10 meses (período em que voltei a trabalhar aqui na Talk) atendo a Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa). Não tive muito contato direto com os atletas em um primeiro momento, pois a maioria deles ainda treina em São Paulo, na Universidade de São Paulo (USP). Sempre conversava bastante pelo telefone e também por meio de um jornalista que temos lá para agilizar o processo, o nosso colega Lucas Reis.

Fernando Fernandes

Pois bem, em julho eu fui, juntamente com alguns atletas, para Szeged na Hungria, como jornalista para cobrir o Campeonato Mundial Junior e Sub-23 de Canoagem Velocidade. Foi uma experiência incrível. Não somente por conhecer um lugar muito bonito e agradável, que jamais seria um dos meus destinos de viagem, mas também por conhecer a história dos atletas. Em sua maioria, histórias de superação, de gente que lutou bastante para chegar até ali. E convenhamos, a vida de atleta não é tão fácil como a maioria das pessoas pensa. Eles acordam cedo, treinam durante a manhã toda, almoçam, têm algumas horas de descanso e depois, treino novamente. E vamos combinar que ficar sentado ou ajoelhado em um caiaque ou canoa, remando o tempo todo, é para os fortes. Engana-se quem pensa que o treino é só na água. Eles fazem condicionamento, corrida, musculação e outras atividades físicas. Até para quem já faz exercícios, como eu que treino há seis anos, olhar a rotina deles cansa. Imagine para os sedentários de plantão…

Voltando para o Brasil, no último final de semana (25 a 28 de setembro), fiz a cobertura do Campeonato Brasileiro de Canoagem Velocidade e Paracanoagem, que aconteceu no Parque Náutico, aqui em Curitiba. Neste evento eu tive a oportunidade de conhecer pessoalmente os atletas da paracanoagem e acreditem, me emocionei profundamente. Tetracampeão mundial de paracanoagem e campeão brasileiro de canoagem velocidade ao lado de três canoístas sem qualquer deficiência, o ex-BBB Fernando Fernandes chamava a atenção por onde passava. Sorriso imenso estampado no rosto e um carinho sem tamanho com as crianças, ele tirava fotos, dava autógrafos e saía por aí, espalhando bons dias e boas tardes para quem passasse por ele, que empurrava a sua cadeira de rodas em meio ao barro e chuva (choveu muito durante os dias de Campeonato, o que dificultou, mas não impediu a realização do evento).

Fernando não pode andar desde 2009, quando sofreu um grave acidente de carro. Assim como ele, cerca de 65 paratletas estavam presentes no Campeonato, todos com histórias de vida de tirar o chapéu. Kal Brynner, assim como Fernando, tem sorriso fácil. Falador, me contou quase sem respirar toda a sequência de fatos desde o acidente de carro que o deixou paraplégico, em 2008, até a descoberta da canoagem por ele, há um ano e meio.

Kal foi convidado por um amigo para remar no lago, em Brasília. Ele me contou que quase não conseguiu sair do lugar na primeira vez: “Morri de medo quando entrei no caiaque, pensei que ia me afogar. Mas meu colega disse que eu tinha força, que era para continuar e eu continuei”. Tá aí uma coisa que muita gente, sem nenhuma deficiência, não faz: continuar, insistir, tentar, sonhar. Kal, assim como Fernando, saía por aí distribuindo gentilezas. Ele deu duas entrevistas para emissoras de TV e sempre me perguntava se tinha ido bem na fala. Claro que ele foi, foi tão bem que encheu meus olhos de água e eu me segurei para não chorar ali mesmo.

O que vi no Brasileiro pode ser muito bem definido como lição de vida. Hey, você aí, para de dar desculpas e reclamar de tudo. Levante da cadeira e vá à luta! Amigo, esses caras aí, esses paratletas, eles conseguiram ser campeões brasileiros sem andar, pode ter certeza que você consegue começar a academia, você consegue achar um emprego, você consegue começar aquele curso que quer fazer há anos e dá a desculpa que “está sem tempo”. Isso serve também para mim. A vida é maravilhosa e apesar de todos os obstáculos e coisas ruins desse mundo, ainda há muitos motivos para sorrir e dizer: vale a pena! Afinal de contas, até onde sabemos, só vivemos uma vez. Então, aproveite!

 

Fabíola Cottet

25
set

Elis, pra sempre Elis

A vida é um grande espetáculo. Não é por menos que autores como Shakespeare e Nelson Rodrigues escreviam tão bem a realidade de sua época em forma de teatro. E o que acontece quando um artista se transforma em um espetáculo de sua própria vida? Ou, ainda, quando a sua existência transcende a vida humana, transformando-se em uma obra artística que sobrevive ao tempo?elis

No último final de semana fui assistir ao espetáculo “Elis, a Musical”, uma produção baseada na obra de Nelson Motta e Patrícia Andrade, com direção de Dennis Carvalho e que esteve em curta temporada no Teatro Guaíra. No palco, eram mais de 25 pessoas, entre atores e músicos, e outras 300 pessoas envolvidas na produção que recria em dois atos as diversas fases da vida desta cantora que, mais de trinta anos após sua morte, continua sendo a maior cantora do Brasil.

Nesta montagem, o que mais impressiona é, sem dúvida, a personagem título, pois quem vai assistir ao espetáculo espera ver uma grande Elis Regina. E confesso, deu até medo. Nós, atores, evitamos usar o termo “encarnar a personagem”, para não resumir uma peça de teatro a uma simples sessão de mesa branca. Afinal, o processo de construção de personagem é um estudo complexo que exige conhecimento, técnica e talento. Mas, nesse caso, a interpretação da atriz Laila Garin, que disputou o papel com outras 200 candidatas, chega a seduzir e iludir o espectador, tamanha é a semelhança na aparência, voz, gestual, postura e até a maledicência natural da personalidade de Elis.

Isso denota um talento incrível da atriz, uma equipe de caracterização primorosa e um processo intenso de imersão na vida e na obra da artista, com aulas diárias de canto, interpretação e expressão corporal. Tudo para recriar com perfeição momentos da artista em cenas famosas como a sua participação no Festival de Música cantando “Arrastão” com Jair Rodrigues (também perfeito!), “Águas de Março” com Tom Jobim, e a mais impressionante cena, digna de fechar o espetáculo com chave de ouro: a entrevista concedida por Elis ao programa “Ensaio” da TV Cultura, em 1973.

Em vários momentos, fechei os olhos para ter a sensação de estar ouvindo a própria Elis Regina cantando ali, a poucos metros de mim. Das cinquenta músicas cantadas, em 3 horas de encenação, pelo menos quarenta músicas foram interpretadas por Laila, a Elis do musical. A atriz conseguiu me encantar a ponto de eu querer chegar perto, tocá-la, sentir aquela Elis de verdade e mais viva do que nunca.

Ao final do espetáculo, no fim da cena da entrevista, a atriz, com figurino idêntico ao usado pela cantora na ocasião, retira a flor que enfeita seus cabelos curtíssimos, coloca na cadeira e sai de cena, deixando somente a cadeira e a flor iluminada por um único foco de luz, enquanto os demais atores entoam a música “Redescobrir”. Nesse momento, o pensamento inevitável é: por que a genialidade do artista sucumbe à realidade? Será esta vida tão incompreensível às mentes brilhantes? Será por isso que, como diz Renato Russo, os bons morrem jovens?

Logo, o pensamento é interrompido com a vinda de todo o elenco, cantando alegremente e agradecendo a presença do público, até que a última a entrar em cena para agradecer é ela, a atriz-Elis-Laila, desta vez para acabar com qualquer ilusão criada desde o início, fazendo o espectador cair em si e entender que a personagem não é a atriz, e que o teatro não é a realidade. Laila retorna ao palco sem a peruca curtíssima e, como se tivesse deixado nos bastidores o corpo e o espírito da personagem, se mostra completamente diferente, com seus longos, loiros e encaracolados cabelos.

Sai do Guaíra em estado de graça e ainda mais apaixonada pela arte teatral, a única que tem o poder de envolver e surpreender até mesmo quem conhece o que há por trás das cortinas.

Aldy Coelho

 

17
set

Pra Gra

Quase um tiro nas costas ter recebido a notícia antes de fechar o elevador. A voz do porteiro ecoou feito um chicote até a chegada do andar. Porta fechada no 81. Amaldiçoou por mil vezes ter se esquecido das chaves. Tia Mitiko atendeu a campainha com cara inchada. Seu pai morreu, querida. Abraço.

Nunca foi chegada a expressar sentimentos. E o cenário de chora mais quem pode deixa a moça constrangida. Procurou a mãe pela sala enquanto tentava fugir os olhos daquela multidão. Foi à funerária escolher o caixão, avisou o primo boçal de camisa polo.

Dava meio braço por um teco de whisky. Mas era tia demais para afogar mágoas num drink.

Sentou na poltrona do pai, a única vazia.

Karin Villatore

9
set

Divagações sobre ser alguém na vida

Estudei a vida toda em um mesmo colégio. Lá formei minha base educacional, mas muito mais que uma experiência acadêmica forjei ali minha personalidade. Posso dizer, sem sombras de dúvida, que foi entre os muros da escola que fiz os melhores amigos e tive as memoráveis experiências de infância e adolescência.

Quando me casei, meus padrinhos foram os amigos da escola. A cerimônia, inclusive, foi no restaurante de um dos amigos da época de colégio. Nos vemos com menos frequência do que gostaríamos, mas com a mesma intensidade dos anos 1990.

Essa semana, uma das minhas mais fieis amigas assumiu um posto de responsabilidade em seu trabalho e, no mesmo dia, meu grande irmão que se aventura pelas bandas dos Estados Unidos também me acenou com boas notícias profissionais e pessoais.

Outra, não tão satisfeita com o trabalho atual, pensa em se jogar num mundo autônomo. Ela já passou por lugares para lá de distintos, desses que fazem brilhar um bom currículo. Ela é, de longe, a mais brilhante de todos nós.

Ainda que um pouco mais distantes por conta da vida, tenho um cá e um lá que são azes em suas profissões: publicitário e nutricionista. Todos provindos de um mesmo habitat, a escola.

E então ontem, depois de dar um abraço forte na amiga que foi promovida fiz o exercício de pensar que “demos certo”. Todos nós, um a um, fizemos escolhas dignas. Não tanto profissionalmente, apesar de individualmente irmos muito bem, obrigada, em nossos postos de serviço. Mas mais, muito mais por sermos quem somos.

Esse ano, em que promessas, alianças e acordos são feitos e desfeitos como quem vai à feira comprar batatas, penso que estou cercada por gente honesta, verdadeira e responsável.

Me surpreendo sem me surpreender sobre casos de alunos esfaqueando professores e essa relação íntima que existe no Brasil de transferir a responsabilidade de dentro de casa para a sala de aula. Ou de achar que a responsabilidade/culpa/salvação dos nossos problemas é, exclusivamente, do governo.

Ou ainda que o inferno é – sempre – o outro. Que não há relação entre chamar alguém de macaco e a sociedade dispare em que vivemos. Achar normal que uma ofensa seja proferida pelo “calor do momento”. Que tratar as mulheres como objeto é natural, pois assim dita a publicidade. E, por fim, bradar pelos valores da “família”, que até hoje tento entender do que se trata e onde vivem.

Me surpreendo sem me surpreender que, ainda bem, tenho esses amigos que me ajudam a acreditar num amanhã sem transferência de responsabilidades. Assumindo aquilo que nos cabe.

A educação do seu filho é problema seu, mas é meu também. Assim como a separação do lixo, ceder lugar no ônibus para a gestante e o senil, respeitar regras de condomínio, de trânsito, de ambiente de trabalho. Isso tudo é exercer a cidadania tanto quanto escolher um candidato, votar nele e controlá-lo.

Precisamos entender que tudo faz parte de um mesmo processo e que as minhas escolhas afetam você. A responsabilidade para com o nosso futuro, pessoal, é sua, minha e dos nossos amigos.

Marina Oliveira