Uma notícia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e do Programa Mundial de Alimentos (PMA), do último dia de outubro, me deixou aturdida. Ou bolada, como eu diria por aqui. Os órgãos da ONU anunciaram que iam reduzir em 20%, em novembro e dezembro – por falta de dinheiro –, as porções de comida de mais de meio milhão de refugiados no Quênia. Com a redução, as pessoas que dependem dessas doações para sobreviver não receberão o mínimo de 2.100 calorias diárias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, mas apenas 1.680.
Três coisas me deixaram super bolada:
- A notícia em si;
- A falta de repercussão que ela teve – desde quando o fato de a ONU não ter dinheiro para mandar comida suficiente para seus atendidos deixou de ser interessante?
- As receitas do mercado de luxo, no mundo, irão crescer até 50% mais rápido que o PIB global até 2015, de acordo com a expert no assunto, a consultoria Bain and Company.
A comparação é óbvia.
Não há problema algum em quem ganhou dinheiro honestamente gastá-lo com o que quer, dentro da legalidade, seja ou não artigo de luxo. Dependendo de quanto dinheiro se tem, comprar, por exemplo, uma bolsa por R$30 mil ou R$1 mil é luxo, R$500,00 é luxo, R$100,00 é luxo. Mas vejo um enorme problema quando a comida é artigo de luxo e quando se comemora a expansão do mercado de luxo no mundo sem se lamentar a redução da comida dos refugiados no Quênia. Quando eu tinha 13 anos, já dizia em casa: nosso problema não é falta de dinheiro, é que quando se desperdiça de um lado, falta de outro.
O diretor do PMA para o Quênia, Ronal Sibanda, explicou em comunicado que fizeram o que podiam para evitar a medida de redução, que, espera-se, seja temporária, e foi tomada para que as reservas durem até o final do ano. Os campos de refugiados afetados serão os de Dadaab (perto da fronteira com a Somália) e Kakuma, situado na confluência das fronteiras do Quênia com a Etiópia, Sudão do Sul e Uganda.
O apelo aos doadores continua e o PMA precisa de pelo menos US$ 10 milhões para distribuir mais de 10 mil toneladas de comida. Os EUA darão US$ 20 milhões, que devem estar disponíveis no começo de março de 2014, por isso, o alerta pela falta de fundos para operar em janeiro e fevereiro.
Letícia Ferreira