No ano passado escrevi o texto abaixo para uma revista de saúde. Semanas atrás, ao ajudar uma amiga minha com a dedicação de um iniciante, o Dr. Emilio reforçou o motivo de ser o médico que mais admiro. Para quem não o conhece, vale a pena conferir a bela história de vida dele. E, se der, seguir o exemplo.
Beijos,
Karin Villatore
Emilio Salvador Granato não tem muita certeza sobre o motivo que o levou a ser médico. Talvez tenha sido o acidente que, na companhia de seu avô, testemunhou quando da disparada dos animais que puxavam a carroça em que transportava material para sua fábrica de barricas, embalagem para erva mate. Com apenas cinco anos, nada pode fazer para salvar a perna do descendente de alemão Otto Wendler. Transformou-se, no entanto, nas “pernas” do avô, que frequentemente ordenava: “menino, mexa-se!”.
Ou talvez tenha sido a tragédia que vivenciou, em 29 de setembro de 1943, na estação ferroviária do vilarejo paranaense de Paulo Fontin, quando um vagão com dinamite incendiou e explodiu em um trem que também transportava passageiros. A região era tão pequena que nem médico tinha. Aos oito anos, queria ajudar os feridos e salvar vidas.
Quem sabe ainda tenha sido a tuberculose que a mãe, Dona Otília, contraiu e que fez os dois voltarem para a capital, Curitiba.
O que se tem certeza é de que este filho único de um casal que tinha escolaridade primária foi também o único representante de toda a família por parte da mãe a conseguir fazer um curso superior. E isso deixa este que é hoje considerado um dos mais respeitados patologistas clínicos do Sul do Brasil muito orgulhoso.
Interrompemos a entrevista porque um funcionário vem perguntar ao Dr. Emilio se deve fazer o protocolo de um exame de tal ou de tal forma. Ele atende com toda a atenção do mundo e voltamos à entrevista.
O começo
No final de 1961, quando se formou em Medicina pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), ainda não existia a prática da residência médica. A solução encontrada pelo jovem Dr. Emilio para se especializar foi ser médico voluntário do Departamento de Clínica Médica do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR, que tinha, recentemente entrado em atividade. Foram quatro anos de um trabalho não remunerado, mas que rendeu ótimos frutos. Foi lá que começou a aprender as “coisas de laboratório”.
Como logo no início de 1962 ele havia se casado e, no final do mesmo ano, nascera o primeiro filho, surgiu a necessidade de buscar um trabalho que sustentasse a família. Fazia plantões no Serviço de Emergência do HC e também em uma clínica particular. Lembra que, nesta época, chegava a fazer três plantões de 24 horas por semana.
E, além dos plantões e do trabalho voluntário, foi convidado para ser professor da cadeira de Histologia do curso de Medicina da UFPR. Anos depois, também passou a ser professor de Hematologia no curso de Farmácia e Bioquímica na mesma instituição. “Em 1962, recém-formado, convidado para ser professor da Universidade Federal, a mais prestigiada do Paraná, Dr. Emilio?” Desconversa, como sempre faz quando está prestes a receber um elogio ou ser forçado a falar bem de si mesmo.
Sua carreira médica também teve uma longa passagem de 19 anos como chefe do Laboratório do antigo INAMPS, médico do Instituto dos Ferroviários (IAPFESP) e de clínicas particulares. Chegou a ter três empregos fixos ao mesmo tempo.
Interrompemos novamente a entrevista porque alguém liga no celular do Dr. Emilio para perguntar algo sobre algum exame. Pelos termos técnicos que ele usa, parece estar explicando para um médico o que o resultado do exame de um paciente representa.
O Laboratório Frischmann Aisengart
Foi o chefe do Laboratório do Hospital de Clínicas quem, em outubro de 1963, apresentou o casal de médicos Oscar e Fani Frischmann Aisengart, fundadores do Laboratório Frischmann Aisengart, para o Dr. Emilio. O Laboratório, fundado em 1945, estava em pleno processo de expansão e abrindo a terceira unidade em Curitiba. Foi incumbido de cuidar da área de Hematologia e o trabalho foi tão bem feito que em 1978 foi convidado para ser sócio da empresa. Mas no seu bom estilo de não se autopromover, faz questão de ressaltar que não foi só ele o convidado para a sociedade mas, também, um grupo de bioquímicos.
Quando ingressou no Laboratório Frischmann Aisengart, lembra que ainda se contava “no olho” todos os itens de um hemograma. Criativo, bolou algumas sistematizações para dinamizar o processo. Recorda bem de um aparelho japonês que o Dr. Oscar comprou para contar os glóbulos brancos e os vermelhos. Mas, após testes, os resultados não foram bons, para frustração geral. Mais tarde, em 1975, em um congresso, uma empresa norte-americana chegou com um aparelho que contava tudo “direitinho”. E aquele equipamento, no decorrer do tempo, foi se transformando. Outros apareceram no mercado, em que tudo é feito numa máquina só, incluindo a parte citológica. E hoje? Ri. Faz tudo em dois minutos.
E o teste de gravidez era feito injetando a urina da paciente em uma coelha. Só que o bicho era sacrificado. Daí dois médicos argentinos, Galli e Maininni, descobriram que, injetando a urina em sapos machos, se desse positivo, o sapo eliminava espermatozoides. E dá-lhe pedir para o Pedrão, um auxiliar de laboratório que morava no bairro Boqueirão, que na época era praticamente um pântano, caçar sapos. Eles ficavam presos em caixas com furos para poderem respirar e, pelo menos, não morriam depois do teste.
Interrompemos pela terceira vez a entrevista porque uma funcionária pede para o Dr. Emilio dar uma olhada nos exames do avô dela, que teria consulta médica naquele dia. Ela queria se assegurar de que o médico que iria atender o avô dela tomaria todas as providências corretas, seguindo o que o resultado do exame estava indicando. O Dr. Emilio atende o pedido com todo o carinho.
O hoje
Com 77 anos de idade, Emilio Salvador Granato tem 50 anos de formação em Medicina, comemorados em 2011, 30 anos de carreira como professor da Universidade Federal do Paraná, 35 anos como médico da Reitoria da UFPR e 49 anos dedicados ao Laboratório Frischmann Aisengart. Hoje ele é responsável técnico pelo Laboratório e pelo Canal do Médico. Dorme satisfeito quando consegue contatar o médico e informá-lo de um resultado em que a ação deve ser rápida e que há sinal de perigo. Ou quando orienta o paciente para procurar o seu médico. É o chamado valor de pânico, que ajuda a salvar vidas e que o Dr. Emilio analisa como ninguém. Algumas vidas salvas lhe renderam cartas, emails e mensagens ternas de agradecimento.
Em mais de duas horas de entrevista, não falou de prêmios e nem de condecorações, como o fato de ser membro honorário da Academia Paranaense de Medicina. Mas os olhos azuis brilharam ao falar dos colaboradores que acompanhou crescer, até chegar a Mestrado e Doutorado, e da família que vem formando no Laboratório. “Tenho amor pelo que faço e pelas pessoas, pois o amor é a melhor coisa do mundo e é pela graça de Deus.”
O celular toca. Mais uma dúvida de um médico sobre o resultado de um exame.