Já que o papo agora gira insistentemente nessa onda da sustentabilidade, decidi aderir. Comecei o dia descobrindo que não poderia tomar banho. Pois é, acho que meu xampu e meu sabonete foram testados em animais. Pensei: se não tivessem sido os animais os coitados, seriam quem, crianças miseráveis da África? Enfim, dá-lhe me arrumar para comprar os cosméticos.
Abro o guarda-roupa e procura um vestidinho feito com algodão 100% natural, tingido com casca de árvore reflorestada e feito por índios da tribo Cotoxó. Não tenho. Só algodão 100% natural? Também não tenho. Vestidinho, se der, de algodão? Salve, tenho! E sem essa de sapato que estou sem tempo para procurar, já se passaram 20 minutos e eu ainda nem fiz xixi porque estou segurando para fazer durante o banho.
Como estou descalça, decido ir de bicicleta à farmácia. Atrapalho absolutamente todo mundo no caminho, quase atropelo uns três cachorrinhos (atitude nada sustentável) e consigo, finalmente, comprar meu xampu de açaí com manga e meu sabonete de coco e mugunzá. Mais quatro cachorros quase atropelados na volta e, finalmente, tomo uma ducha. Rápida, que é para não desperdiçar a pouca água que resta no nosso planeta.
Fico sem café da manhã porque não tem nada orgânico na geladeira mas, enquanto escovo os dentes com os dedos e sem pasta (não tenho certeza, mas vai que a pasta foi testada em algum coelhinho?), assisto à TV me sentindo superculpada por gastar a energia e a luz e os raios da Terra.
E eis que aparece um fulano europeu dando uma entrevista sobre sustentabilidade. E ele diz que, mesmo juntando todos os esforços de todas as pessoas do mundo inteiro (pessoas, não empresas), a diferença para a natureza é tão ínfima que praticamente não muda nada. Ele diz que é uma bobagem gigantesca o discurso da sacolinha de pano no supermercado, da pequena atitude que ajuda a preservar, do blá-blá-blá que contaminou a humanidade. Enfim, diz que o que muda mesmo é uma estratégia sustentável de grande porte junto às indústrias e macroprodutores de poluentes e “insustentabilidades” em geral.
Voltei para o chuveiro, lavei o cabelo direito, fiz um demorado xixi na privada, escovei os dentes com pasta e escova, tomei café da manhã, coloquei uma roupa bacana, abasteci o carro com gasolina e fui trabalhar. Ai, que alívio!
Beijos,
Karin Villatore
Muito divertido Karin. A gente tá num mato sem cachorro mesmo, nossas ínfimas ações não alteram nada ou não alteram nada porque não fazemos nossas ínfimas ações? No meio da máquina urbana realmente é difícil perceber qual é o resultado das nossas ações, por isso é bom ficar um tempo longe de tudo, no mato, tendo que buscar água longe, não tendo luz à vontade e tudo mais, aí quem sabe todos essas coisas ganham mais sentido. Abraços! Raro.