Arquivo mensais:agosto 2019

30
ago

Vai fazer faculdade de quê?

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Quando era adolescente me deparei com aquela fase do “vai fazer faculdade de quê?”. Eu, no auge dos meus 16 anos, adorava escrever. Tinha até um Tumblr. Porém, os anos foram passando, os vestibulares se acumulando e os cursos que eu decidi não fazer, também. Desde Relações Públicas, passando por Psicologia e Cinema, até chegar nos cursinhos preparatórios para concurso… Fiz de tudo. Mas cheguei num ponto em que já não queria mais fazer um curso superior.

Mais anos foram passando. Trabalhei com várias coisas e em vários lugares, só para voltar ao ponto de partida: o Jornalismo. Antes de todos os cursos, vestibulares e faculdades que decidi fazer, a ideia era ser jornalista. “Não esses de redação”, eu dizia, por medo de achar muito chato. Só queria escrever. Mas, além disso, queria que as pessoas “me lessem”.

Hoje, depois de quase quatro anos na faculdade de Jornalismo, estou em processo de finalização de um livro-reportagem e da concretização desse sonho de “me lerem”. Era o que eu sempre quis, não era? Mas, ansioso que sempre fui, já comecei a imaginar, pensar e conjecturar sobre como será a vida pós-acadêmica. Como sempre também adorei começar projetos novos (terminar já são outros quinhentos), já organizei todo o meu tempo para fazer cursos, outras faculdades, pós-graduações, mestrados e doutorados, até o longínquo tempo da velhice. Besteira? Talvez.

Eu sempre vivi a vida, como gostava de dizer, “sem planejar”. Fazia o que dava na telha, quando dava na telha e com quem dava na telha. Por isso comecei uma faculdade só aos 24 anos, por isso tenho tantos cursos e formações inacabados e projetos começados não terminados. Não vou aqui colocar o velho clichê de que “tudo tem o seu tempo”, e que “nos forçam a decidir nossas carreiras muito cedo”. Todos sabem disso. O que estou querendo dizer é que um pouco de planejamento sempre cai bem. Um pouco não, quiçá bastante.

O meu livro-reportagem é um compilado de relatos-testemunhos de pessoas em recuperação da doença da adicção, ou dependência química se preferir. Várias delas, além de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, frequentam assiduamente grupos de mútua ajuda como Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos. Um dos dizeres comuns nesses grupos é o “só por hoje”, que significa nada menos do que viver um dia de cada vez. Se você pensar bem, é extremamente libertador viver sem se sentir amargurado pelo passado e ansioso pelo amanhã, só no momento presente. Mas… e o planejamento, onde fica? E os sonhos? Será que não posso mais sonhar se escolher viver assim? Que vida horrível!

Calma! Eu também tive essa dúvida e, digo com facilidade, que podemos e devemos ter planos. O “só por hoje” é ótimo para determinadas situações em que ficamos pensando muito à frente ou nos perdemos no passado. Porém, usar essa “técnica” ou filosofia para tudo é extremamente prejudicial para o longo prazo necessário para a vida. Qual é a solução então? Fui perguntar, óbvio, para aqueles membros que já estão em recuperação há mais tempo: “Como você faz para planejar a sua vida e ainda sim viver essa filosofia?”.

A resposta me chocou. Não tinha imaginado que uma coisa não precisa necessariamente anular a outra. Viver no momento presente e fazer o que me cabe no dia de hoje para que meus planos futuros possam se concretizar é a chave do sucesso. Quem disse que uma pessoa precisa ser uma coisa só, ainda mais para o resto da vida? Eu não. Prefiro ser, como diria Raul Seixas, essa metamorfose ambulante.

Lucas Jensen

22
ago

Desenhe pelo desenho

 desenhe

Minha relação com as letras sempre foi próxima. Na infância amava ler gibis, depois passei para as revistas e livros. Redação era minha matéria preferida na escola e, como decidi ser jornalista, continuei usando as palavras para expressar minhas ideias do cotidiano ao ganha-pão. Quando eu era criança também gostava de desenhar, e até achava que tinha potencial para isso, mas com o passar dos anos deixei de me dedicar à arte da representação gráfica. Foi quando comecei a fazer a faculdade de Design Gráfico, no início deste ano, que o desenho renasceu na minha vida.

Cheguei com travas — ainda não totalmente desbloqueadas — por pensar que talvez minha habilidade como desenhista não fosse suficiente para o curso. Eu não estava sozinha. São muitos os estudantes que iniciam a faculdade nesta área sem confiar plenamente em seu potencial para o desenho.

Quando somos crianças, amamos criar universos com lápis de cor, giz de cera, canetinhas e tudo o que produzir manchas coloridas num papel (ou mesmo numa parede que estiver dando sopa). Mas, por algum motivo, grande parte de nós cresce acompanhado das neuroses que nos sussurram de que não sabemos desenhar ou que somos pouco criativos.

Dias atrás vi uma postagem em uma rede social de um ilustrador que admiro muito dizendo que ele tinha se tornado desenhista porque foi uma criança que nunca disse a si mesmo que não sabia desenhar. São muitos os relatos de crianças que são corrigidas por pais e professores por colorirem uma imagem com as “cores erradas”, por que, teoricamente, as tonalidades escolhidas não representam a realidade.

No século passado, o icônico cachimbo do surrealista René Magritte dava a dica:

“ceci n’est pas une pipe” ou, no português, “isso não é um cachimbo”. As imagens não são a realidade em si. Mesmo assim, a sociedade continua podando o modo como as crianças desenham, até que todas se encaixem em um padrão e que muitas cresçam achando que o desenho não é para elas.

Outro grande obstáculo é acreditar que o desenho só deve ser feito para alcançar um fim específico. Colocamos tanta expectativa no resultado final que o processo se torna muito intelectual e pouco prático. Tenho aprendido a simplesmente desenhar por desenhar. Aproveitar o processo. Em uma aula da faculdade, uma aluna perguntou ao professor se um trabalho de ilustração que faríamos em sala seria apenas um esboço ou se já deveríamos nos preparar para entregar no mesmo dia. Ele explicou que, para ele, tudo era o resultado final: desde os nossos primeiros traços.

Se você quer começar a desenhar, não pense muito: apenas desenhe. E se você não estiver satisfeito com o resultado, continue desenhando. Todos os grandes desenhistas têm anos de prática e dedicação. Livrar-se das amarras tem sido, para mim, um processo maravilhoso de redescoberta de mim mesma. Afinal, desenhar apenas pelo ato de desenhar é uma forma de expressão tão forte quanto as palavras.

Stephanie D’Ornelas

15
ago

As saudades e ciladas da nostalgia

Nostalgia

O cinema, a TV, a música e até mesmo a política têm investido bastante em produções e estratégias nostálgicas nos últimos anos, em especial desde 2015. É perceptível no aumento de remakes, revivals, turnês saudosistas e candidatos que tentam disfarçar a naftalina, tudo ao gosto do público que, depois de praticamente esgotar as opções de consumo “oitentista”, agora volta sua nostalgia à década de 1990.

Vamos aos exemplos: a série “Stranger Things”, a turnê de Sandy & Júnior, a novela global “Verão 90”, o novo “O Rei Leão”, a volta do especial “Amigos” sertanejos, e até o “Xou da Xuxa” estão entre nós às vésperas da chegada de 2020 – com força total e bilheterias esgotadas. Se, por um lado, é bacana curtir a saudade das décadas passadas e rever/revisitar ídolos e sucessos, é preciso cuidado para não cair nas ciladas da nostalgia excessiva.

Quem assistiu “Meia Noite em Paris”, de Woody Allen, sabe bem o que estou falando: um escritor infeliz, em crise de identidade em sua realidade dos anos 2010, magicamente se vê transportado para a Paris da década de 1920, repleta de artistas, boêmia e efervescência cultural. O autor não quer mais sair de lá, tamanha sua realização.

Eis que, no desenrolar da narrativa (sem dar spoilers), ele se dá conta que os parisienses daquela época consideravam a Belle Époque um período histórico muito superior, ao passo que aqueles artistas da virada do século 19 comentam que a Renascença, sim, devia ser excelente… Percebem a ironia?

O ser humano tem a estranha mania de se apegar ao passado e, mesmo que no fundo saiba que enfrentou muitos perrengues, acaba por idealizar apenas os bons momentos vividos: a infância (sua ou dos filhos), o antigo emprego, o governo daquele político de sua preferência, a música da adolescência e assim por diante.

Quer prova maior do que a década de 1980, marcada pela abertura democrática no Brasil, pelos últimos anos da Guerra Fria e pelas dificuldades da hiperinflação que a consideram a “década perdida”, e ainda assim cultuada como tempos gloriosos pela cultura pop?

É bom rememorar as coisas boas do passado, mas nunca se esqueça de (bem) viver o presente, tornando o momento atual uma boa lembrança em alguns anos.

André Nunes

8
ago

Os 4 livros de julho

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Aqui estou eu novamente para falar sobre últimos livros lidos. Eu sei, eu sei, sou muito monotemático, mas tem sempre alguém querendo dicas de livros (e eu sempre quero falar sobre isso). Então aqui vai.

  1. Não tive nenhum prazer em conhecê-los
    Autor: Evandro Affonso Ferreira

Bem, o Evandro Affonso Ferreira é um autor conceituadíssimo, vencedor de APCA e Jabuti. Portando, é meio que “alta literatura”, né? Não gosto muito dessa denominação, mas enfim. “Não tive nenhum prazer em conhecê-lo” é um romance, mas parece uma coletânea de frases, poemas e reflexões sobre a vida, a velhice e tudo o que há no meio. O autor é mestre em brincar com as palavras e em explorar nosso idioma de todas as formas. São frases nada comuns, então tudo soa original, até desafiador. Foi uma experiência gratificante. Em alguns momentos, porém, algo me soava pretensioso demais. De qualquer forma, são ótimas reflexões sobre esse mistério que é envelhecer, sem jamais cair no senso comum.

  1. Hibisco Roxo
    Autora: Chimamanda Ngozi Adichie

A adolescente Kambili mostra como a religiosidade extremamente “branca” e católica de seu pai, Eugene, famoso industrial nigeriano, inferniza e destrói lentamente a vida de toda a família.

Impressionante como esse livro é opressivo do início ao fim. Isso não é algo ruim, mas essencial para nos colocarmos um pouquinho na pele dos personagens. Ao mesmo tempo em que ‘Hibisco Roxo’ parece sufocar o leitor, quando a obra te liberta parece que você volta a respirar aliviado. Incrível.

3. O Conto da Aia
Autora: Margaret Atwood

A história acompanha a vida de Offred, uma criada na casa do líder da República de Gilead. Esta é uma sociedade totalitária onde a alfabetização foi proibida para mulheres. Ela surgiu com a catástrofe ambiental e com o avanço da baixa natalidade. Tendo como base o fundamentalismo religioso, esta sociedade trata as mulheres como propriedades do estado. Offred é uma das últimas mulheres férteis, o que a leva ser utilizada como escrava sexual com o objetivo de ajudar a repopular o planeta devastado.

Angustiante e absurdamente atual (parece romance de 2019). Infelizmente vi a série antes de ler, o que diminuiu consideravelmente o impacto. Mesmo assim, excelente.

  1. My Year of Rest and Relaxation

Autora: Otessa Moshfech

A protagonista desse livro não tem muito do que reclamar: é linda, herdeira e mora bem. Mas ela está cansada, muito cansada. Ela quer dormir por um ano. Hibernar. Se desligar do mundo todo, das pessoas, dos problemas banais. E é isso que ela faz. Planeja dormir por um ano e acordar só para fazer coisas básicas, para depois renascer uma nova pessoa.

Eu me identifiquei mais do que eu gostaria com a protagonista. A vida é cansativa e, às vezes, dá vontade de dormir por uma semana inteira. Imagina que delícia. Sem WhatsApp, sem Facebook, sem notícias desse governo maldito, sem as banalidades tão exaustivas do dia a dia. Hibernar até que a gente se sinta descansado e possa recomeçar, olhar o mundo de outra forma.

Rodrigo de Lorenzi