Arquivo mensais:setembro 2014

25
set

Elis, pra sempre Elis

A vida é um grande espetáculo. Não é por menos que autores como Shakespeare e Nelson Rodrigues escreviam tão bem a realidade de sua época em forma de teatro. E o que acontece quando um artista se transforma em um espetáculo de sua própria vida? Ou, ainda, quando a sua existência transcende a vida humana, transformando-se em uma obra artística que sobrevive ao tempo?elis

No último final de semana fui assistir ao espetáculo “Elis, a Musical”, uma produção baseada na obra de Nelson Motta e Patrícia Andrade, com direção de Dennis Carvalho e que esteve em curta temporada no Teatro Guaíra. No palco, eram mais de 25 pessoas, entre atores e músicos, e outras 300 pessoas envolvidas na produção que recria em dois atos as diversas fases da vida desta cantora que, mais de trinta anos após sua morte, continua sendo a maior cantora do Brasil.

Nesta montagem, o que mais impressiona é, sem dúvida, a personagem título, pois quem vai assistir ao espetáculo espera ver uma grande Elis Regina. E confesso, deu até medo. Nós, atores, evitamos usar o termo “encarnar a personagem”, para não resumir uma peça de teatro a uma simples sessão de mesa branca. Afinal, o processo de construção de personagem é um estudo complexo que exige conhecimento, técnica e talento. Mas, nesse caso, a interpretação da atriz Laila Garin, que disputou o papel com outras 200 candidatas, chega a seduzir e iludir o espectador, tamanha é a semelhança na aparência, voz, gestual, postura e até a maledicência natural da personalidade de Elis.

Isso denota um talento incrível da atriz, uma equipe de caracterização primorosa e um processo intenso de imersão na vida e na obra da artista, com aulas diárias de canto, interpretação e expressão corporal. Tudo para recriar com perfeição momentos da artista em cenas famosas como a sua participação no Festival de Música cantando “Arrastão” com Jair Rodrigues (também perfeito!), “Águas de Março” com Tom Jobim, e a mais impressionante cena, digna de fechar o espetáculo com chave de ouro: a entrevista concedida por Elis ao programa “Ensaio” da TV Cultura, em 1973.

Em vários momentos, fechei os olhos para ter a sensação de estar ouvindo a própria Elis Regina cantando ali, a poucos metros de mim. Das cinquenta músicas cantadas, em 3 horas de encenação, pelo menos quarenta músicas foram interpretadas por Laila, a Elis do musical. A atriz conseguiu me encantar a ponto de eu querer chegar perto, tocá-la, sentir aquela Elis de verdade e mais viva do que nunca.

Ao final do espetáculo, no fim da cena da entrevista, a atriz, com figurino idêntico ao usado pela cantora na ocasião, retira a flor que enfeita seus cabelos curtíssimos, coloca na cadeira e sai de cena, deixando somente a cadeira e a flor iluminada por um único foco de luz, enquanto os demais atores entoam a música “Redescobrir”. Nesse momento, o pensamento inevitável é: por que a genialidade do artista sucumbe à realidade? Será esta vida tão incompreensível às mentes brilhantes? Será por isso que, como diz Renato Russo, os bons morrem jovens?

Logo, o pensamento é interrompido com a vinda de todo o elenco, cantando alegremente e agradecendo a presença do público, até que a última a entrar em cena para agradecer é ela, a atriz-Elis-Laila, desta vez para acabar com qualquer ilusão criada desde o início, fazendo o espectador cair em si e entender que a personagem não é a atriz, e que o teatro não é a realidade. Laila retorna ao palco sem a peruca curtíssima e, como se tivesse deixado nos bastidores o corpo e o espírito da personagem, se mostra completamente diferente, com seus longos, loiros e encaracolados cabelos.

Sai do Guaíra em estado de graça e ainda mais apaixonada pela arte teatral, a única que tem o poder de envolver e surpreender até mesmo quem conhece o que há por trás das cortinas.

Aldy Coelho

 

17
set

Pra Gra

Quase um tiro nas costas ter recebido a notícia antes de fechar o elevador. A voz do porteiro ecoou feito um chicote até a chegada do andar. Porta fechada no 81. Amaldiçoou por mil vezes ter se esquecido das chaves. Tia Mitiko atendeu a campainha com cara inchada. Seu pai morreu, querida. Abraço.

Nunca foi chegada a expressar sentimentos. E o cenário de chora mais quem pode deixa a moça constrangida. Procurou a mãe pela sala enquanto tentava fugir os olhos daquela multidão. Foi à funerária escolher o caixão, avisou o primo boçal de camisa polo.

Dava meio braço por um teco de whisky. Mas era tia demais para afogar mágoas num drink.

Sentou na poltrona do pai, a única vazia.

Karin Villatore

9
set

Divagações sobre ser alguém na vida

Estudei a vida toda em um mesmo colégio. Lá formei minha base educacional, mas muito mais que uma experiência acadêmica forjei ali minha personalidade. Posso dizer, sem sombras de dúvida, que foi entre os muros da escola que fiz os melhores amigos e tive as memoráveis experiências de infância e adolescência.

Quando me casei, meus padrinhos foram os amigos da escola. A cerimônia, inclusive, foi no restaurante de um dos amigos da época de colégio. Nos vemos com menos frequência do que gostaríamos, mas com a mesma intensidade dos anos 1990.

Essa semana, uma das minhas mais fieis amigas assumiu um posto de responsabilidade em seu trabalho e, no mesmo dia, meu grande irmão que se aventura pelas bandas dos Estados Unidos também me acenou com boas notícias profissionais e pessoais.

Outra, não tão satisfeita com o trabalho atual, pensa em se jogar num mundo autônomo. Ela já passou por lugares para lá de distintos, desses que fazem brilhar um bom currículo. Ela é, de longe, a mais brilhante de todos nós.

Ainda que um pouco mais distantes por conta da vida, tenho um cá e um lá que são azes em suas profissões: publicitário e nutricionista. Todos provindos de um mesmo habitat, a escola.

E então ontem, depois de dar um abraço forte na amiga que foi promovida fiz o exercício de pensar que “demos certo”. Todos nós, um a um, fizemos escolhas dignas. Não tanto profissionalmente, apesar de individualmente irmos muito bem, obrigada, em nossos postos de serviço. Mas mais, muito mais por sermos quem somos.

Esse ano, em que promessas, alianças e acordos são feitos e desfeitos como quem vai à feira comprar batatas, penso que estou cercada por gente honesta, verdadeira e responsável.

Me surpreendo sem me surpreender sobre casos de alunos esfaqueando professores e essa relação íntima que existe no Brasil de transferir a responsabilidade de dentro de casa para a sala de aula. Ou de achar que a responsabilidade/culpa/salvação dos nossos problemas é, exclusivamente, do governo.

Ou ainda que o inferno é – sempre – o outro. Que não há relação entre chamar alguém de macaco e a sociedade dispare em que vivemos. Achar normal que uma ofensa seja proferida pelo “calor do momento”. Que tratar as mulheres como objeto é natural, pois assim dita a publicidade. E, por fim, bradar pelos valores da “família”, que até hoje tento entender do que se trata e onde vivem.

Me surpreendo sem me surpreender que, ainda bem, tenho esses amigos que me ajudam a acreditar num amanhã sem transferência de responsabilidades. Assumindo aquilo que nos cabe.

A educação do seu filho é problema seu, mas é meu também. Assim como a separação do lixo, ceder lugar no ônibus para a gestante e o senil, respeitar regras de condomínio, de trânsito, de ambiente de trabalho. Isso tudo é exercer a cidadania tanto quanto escolher um candidato, votar nele e controlá-lo.

Precisamos entender que tudo faz parte de um mesmo processo e que as minhas escolhas afetam você. A responsabilidade para com o nosso futuro, pessoal, é sua, minha e dos nossos amigos.

Marina Oliveira

4
set

Em época de eleição, mais vale uma entrevista bem explorada ou um debate bem polemizado?

Ano eleitoral. Vários candidatos tentando expor suas ideias, suas promessas. Chegamos em um período em que toda semana vemos entrevistas individuais ou debates com postulantes aos mais importantes cargos do país. Somos bombardeados com conteúdos eleitorais vindo de todos os lados, em todas as mídias. Mas, será que esse excesso permite que a população tenha acesso aos pontos mais importantes das propostas de cada candidato?

Mais do que isso, pensemos: se analisarmos a propaganda eleitoral, as entrevistas individuais e os debates, qual das ferramentas é mais eficiente? Qual leva ao público eleitor as ideias principais de cada concorrente ao cargo (seja para presidente, governador, etc.)?

É difícil dizer que uma ferramenta é melhor do que a outra. Os debates são engessados, os participantes ficam limitados, muitas vezes os conceitos e as propostas não são debatidos de fato. Isso sem contar que, em inúmeras situações, a estratégia traçada por alguns candidatos é simplesmente atacar o adversário, deixando de lado suas próprias propostas. Alguém pode aparecer e dizer “mas isso é a política, meu caro. Assim é a política”. Sim, assim é e sempre foi. Mas não quer dizer que é o ideal. Sonho com debates em que os candidatos sejam obrigados a expor de fato suas ideias, seu planejamento, seus planos de governo. Mas como tudo por aqui vira brincadeira, os debates têm servido para que surjam piadas, montagens e memes da internet.

A vantagem das entrevistas individuais, como fez o Jornal Nacional, por exemplo, é que o entrevistador pode e deve “puxar” o entrevistado para o foco da pergunta, fazendo com que as questões sejam de fato respondidas. O grande problema de uma entrevista é que ela pode ou não ser tendenciosa. Pode favorecer ou desfavorecer alguém. E aí candidatos e público ficam nas mãos dos jornalistas. Aliás, não soa estranho que o Jornal Nacional receba tantos elogios por “tratar todos os candidatos igualmente” ao pressionar um por um em suas entrevistas? Isso é o mínimo que se exige. Mas sabemos que em outros tempos…

A grande questão nesses casos é: qual o tamanho do interesse de cada candidato em expor de fato suas ideias e mostrar ao público que eles podem ser bons governantes? Se houver realmente interesse, os debates, as entrevistas e até as propagandas eleitorais no rádio e na TV podem ser muito úteis. Mas, pelo jeito, a clareza de ideias não é prioridade dos candidatos por aqui. A impressão que tenho é que tudo que é passado pelos candidatos fica vago, não conseguem desenvolver os assuntos, se aprofundar em nada. Então, se você faz parte do grupo dos indecisos na hora de votar, terá um árduo trabalho para definir seu candidato!

Lucas Reis