De certa forma tenho alguma conexão cármica com botecos. Meu tio-avô, um senhor de 81 anos e um passado de samba e futebol, sempre me levou aos botecos da vida. Filha de cientistas sociais, o que por si só já é um porre, sempre estive presente em discussões acaloradas sobre Marx regadas a garrafas de Brahma.
Sou nascida e criada no Água Verde, e desde pequena fui acostumada às mesas do Becks, Ball Bull, Colarinho, Zezitos e do saudoso Paca Tatu Cotia Não, que ficava escondido ao lado do João Turin, escola estadual mais bem frequentada do bairro.
Durante a adolescência ampliei meus horizontes e fui descobrir o Largo da Ordem. O Torto, o Sapo, Kitnet e tantos outros foram minhas moradas durante os anos difíceis da puberdade.
Optei por fazer jornalismo, profissão com maior grau de alcoolismo entre todas. Na faculdade, Kowalski era meu pastor e nada me faltou, amém!
Já mais velha, conheci o Barbaran, um reduto de jovens velhos como eu. Ontem, estive lá. Depois de um dia longo de trabalho cobrindo evento fui me despedir de meu pai, que já há alguns anos sem beber, parte agora para uma aventura europeia.
Estava entre família e amigos, e ainda que tomando apenas Coca-Cola – sim, domingo já se faz mais complicado para mim – essa atmosfera botequística me faz um bem danado.
As conversas, as risadas, as piadas, são parte do que sou hoje. Sinto que construí quem sou entre um vidro de rollmops e a carne de onça. Estou ficando metida é verdade, já não tenho paciência para lugares muito cheios, bêbados falando alto e dando vexame, e confesso: tenho investido em rótulos internacionais.
Casada, temos preguiça de sair e várias vezes transformamos nossa casa em boteco. Muitos amigos, risadas e a vantagem de podermos escolher a música.
Mas ontem, quando por um momento parei para observar esse organismo vivo que é o boteco, quiçá o melhor ambiente para se fazer estudos antropológicos e etnográficos, percebi como foi bom ter sido criada em meio a tudo isso. Menos pela questão alcoólica e mais pela sociológica, é verdade. O boteco ainda é um bom companheiro e viva o bolinho de carne!
Marina Oliveira