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24
abr

O mistério do afundamento craniano

moleira

Eu estava indo muito bem nessa quarentena, com a saúde mental em dia, emocionalmente estável, ansiedade sob controle, sem paranoias, sem sintomas de TOC como o de escrever seis frases curtas antes de um ponto final. Bem…Ok, ia eu muito bem até descobrir uma depressão no crânio, bem no alto da cabeça.

Passei a mão no cabelo e me arrepiei. Havia um sulco atravessando minha cabeça de orelha a orelha. Imediatamente tive tontura, turvação de vista, calafrios e sensação iminente de morte. Não, mentira, não tive, mas achei justo sentir tudo isso, não fosse eu uma pessoa altamente equilibrada. E isso também não é muito verdadeiro. Mas vamos aos fatos.

Minha mente racional considerou que se o caso fosse grave haveria no meu crânio uma protuberância e não um afundamento. Tumores e outras desgraças – como certos governantes e seus filhos – se projetam em vez de se retraírem, raciocinei.

Parti então para buscar na memória algum episódio que tivesse me causado um traumatismo craniano. Nada. Não caí, não bati a cabeça, não apanhei de ninguém…embora certamente não faltem pretendentes. E ainda sou capaz de encerrar um período com uma sequência de apenas três frases, e não seis. Ou seja, louca de atar também não estou, no momento.

Lá num remoto canto da memória encontrei a lembrança de que no alto da cabeça fica a moleira. Todos nascemos com esse espaço entre os ossos do crânio, que permitem nossa passagem pelo canal do parto. Mas a hipótese de ter reencontrado minha moleira depois de tantos anos também não vingou. Ela fecha ainda nos primeiros meses de vida. E já acumulo algumas centenas de meses desde aquela madrugada histórica para os Abrantes Boroni.

Apesar do choque, acabei dormindo. A noite torna tudo pior e achei que de manhã a questão teria se resolvido, eu retomaria meu cabeção em formato original.

De manhã, já havia esquecido do susto. Até que sentei pra trabalhar. Dividir o home office com o Cláudio, que reinava absoluto no ambiente há 20 anos, me obrigou a algumas providências, em nome da paz familiar e da produtividade. Uma delas é usar fones de ouvido, daqueles que isolam os ruídos exteriores. 

Passo o dia inteiro com eles, e apesar da proteção acolchoada, foi tempo suficiente para vincarem minha cabeça. 

Fiquei aliviada com o fim do mistério, por saber que não tem nada esquisito crescendo ou minguando no meu cérebro, por não ter de volta a moleira dos meus primeiros dias…E por saber que continuo podendo interromper meu fluxo de frases antes da terceira vírgula. 

Tudo sob controle na minha quarentena, portanto. 

Marisa