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O Crime Compensa – o caso do Moranguinho Avon

brilho_moranguinho Quando fazem coisas erradas, crianças pequenas costumam logo dizer “não fui eu!” O que acho impressionante observar, é como adultos fazem versões do “não fui eu” até no mundo corporativo, com direito a “foi ele” e até a esconder o mal feito atrás das costas.
Sempre acho menos estressante assumir: errei, esqueci, deixei passar, foi mal, desculpe, vou consertar. Claro, às vezes, não tem conserto, mas alguém vai ser responsabilizado. Que seja o responsável.
Quando eu era criança, minha grande chance de aprender que as pessoas de bem sempre assumem seus erros foi o caso do Moranguinho Avon. Em um aniversário, uma das minhas primas, um ano mais velha que eu, ganhou o brilho labial em forma de morango da Avon. Ela me deixou experimentar – grande erro – e tinha gosto de morango!
Foi o gosto que me pegou. Eu quis muito comer todo aquele morango artificial e o único jeito de cometer essa transgressão seria cometendo outra: roubando, enfiando o moranguinho no bolso na hora de ir embora.
Como eu achei que ninguém ia descobrir, não sei, porque não havia tanta gente na festa, e CLARO que as primas deram pela falta do moranguinho. Na tarde do dia seguinte, me liga minha prima mais nova para saber se eu tinha… visto o negocinho em algum lugar. Se eu não tinha… deixado em algum lugar da casa que ninguém estava encontrando.
Gelei.
– Espera um pouquinho…- pedi, em pânico.
O que fazer? Corri para a minha mãe e, em desespero, despejei o acontecido. Nunca vou esquecer o olhar e a exclamação de decepção da minha mãe.
– E agora, mãe, o que eu digo?
– Diga que você queria experimentar um pouquinho… E que vai lá devolver hoje!
Vocês devem estar se perguntando como eu ia devolver o brilho labial se o tinha comido. Acontece que eu não tinha comido. Talvez o bolo do aniversário tivesse me deixado bem satisfeita ou o sono da noite tivesse me dado um pouco de juízo.
Quando meu pai chegou, geralmente ele não estava presente durante minhas crises infantis, encontrou minha mãe e eu silenciosas e muito brancas, ela triste e eu em pânico e lágrimas. Minha sorte estava lançada.
Meu pai me levou a casa dos meus tios sem dizer uma palavra de censura e sem uma cara feia. Minha mãe não quis ir, nos lançou sós a minha punição.
Ao chegarmos lá, meu coração pulava na garganta. Quando entramos – lembro exatamente da cena -, estava toda a família me esperando: meu tio, minha tia e minhas duas primas mais velhas, sorrindo. A mais nova, vítima do furto, séria, mas educada, pegou o moranguinho que eu estendi o mais humildemente possível, pedindo desculpas. Minha visão se turvou com novas lágrimas e dei livre curso ao meu pranto.
Meu tio perguntou se eu estava com gripe e riu, muito amistoso. Depois disso, não me lembro de mais nada daquele dia.
Meu crime compensou e fui felicitada por falar a verdade, o que é raro na adulta e bem resolvida Corporativolandia, mas, como dizia o Biafra, “falar a verdade, me faz tão bem…”

Letícia Ferreira

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