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set

Dedo na ferida

Este não é um texto que fala sobre assuntos dos quais gostamos de saber – ele fala do que precisamos ler e ver, ainda que não gostemos. Em 1945 Anne Marie Frank, 15 anos, morreu em um campo de concentração. Ela estava entre os 108.000 judeus deportados da Holanda entre 1942 e 1944. Apenas 5.000 sobreviveram. Entre eles, seu pai, Otto Frank, que criou um memorial para que a história da filha – que escreveu um dos diários mais famosos do mundo durante a Segunda Guerra Mundial – não fosse esquecida. Anne, sua família e quatro amigos Anne Frankpassaram quase dois anos escondidos em um anexo secreto atrás de uma fábrica em Amsterdã, mas você provavelmente já conhece esta história. Em abril, eu pude ir ao anexo secreto. Não era um sonho da minha vida estar lá, era um lugar triste – mas com uma memória que precisa existir, perdurar e, mais que isso, ser vista e sentida. É o que acontece quando você se aproxima o suficiente: sente. Somente através da identificação e da empatia, de se sentir no lugar do outro, de imaginar o sofrimento pelo qual o outro passou, é possível fazer com que essa história nos atinja e faça pensar.

Quando eu saí do memorial, me deparei com um pedido provocativo: o de deixar uma mensagem sobre o que senti ao visitar a casa de Anne Frank. Só consegui escrever “não deixem que aconteça o mesmo com as crianças da Síria”. Estamos em setembro. Exatamente quatro meses se passaram. Hoje, vejo o mundo chocado com a imagem de um menino sírio de três anos. Morto, como Anne, 70 anos depois. Não em um campo de concentração, mas em uma praia da Turquia. Sua família não havia passado anos escondida em um cubículo. Sua família fugiu de seu País, como a de Anne ao ir para a Holanda em busca de segurança. Em comum, acabaram todos mortos – com exceção do pai. Quantas famílias terão que morrer para que o mundo perceba o problema?! Para que as autoridades tomem consciência? E para que a gente cuide dos mais vulneráveis: crianças, animais, idosos?! A mudança que queremos no mundo começa por nós, já falaram por aí.

Muitos fogem do sofrimento: “eu não quero ver”, dizem. Ver significa sentir e, nessa sociedade anestesiada, tudo o que não queremos é sentir. É preciso sentir. A crise migratória europeia é coisa séria e não devemos fechar os olhos. Não por curiosidade mórbida, mas porque infelizmente é a visibilidade que pressiona para que haja mudança. Cuidemos de nosso quintal, cuidemos das nossas crianças. E que mais jornalistas, fotógrafos e cidadãos mostrem o que é preciso ser visto.

Hoje, digo: “não deixem que aconteça o mesmo com as crianças de lugar nenhum”.

Luciana Penante

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