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jul

Quem transgride quem?

Há uma verdade mais dura por trás das transgressões de crianças e adolescentes: a realidade delas e deles, tão distinta da maioria de nós.

Há cinco anos eu pesquiso essa parcela minoritária da população, milito por, com e para aqueles que possuem suas vozes silenciadas pela dominante sociedade. Dediquei boa parte dos meus anos de pesquisadora aos que necessitam da transgressão para manifestarem que também são sujeitos e sujeitas de direitos. Nos últimos dois anos eu literalmente me sujei na lama da pesquisa empírica sobre adolescentes em conflito com a lei, especificamente aqueles 1-FF7fYzx91xYUKwFOQvPxxwque cumprem medida socioeducativa de liberdade assistida ou de prestação de serviço à comunidade; conversei com eles, andei pelos bairros e comunidades onde vivem, visitei suas moradias (algumas muito precárias), presenciei alguns, ainda tão crianças e inocentes, empinando pipa (ou raia, como eles chamam), ou observei o tráfico bem em frente à porta da casa de um deles, falei com as pessoas (nem sempre eram familiares; mas, quase sempre eram monoparental) com quem moravam e, de um extremo a outro, passei por condomínios classe média para falar com algumas exceções que se envolveram em delitos. Alguns sofreram e/ou sofrem violência em casa, ou foram abandonados e outros não tinham quem sequer perguntasse “como foi seu dia na escola”.

Após as visitas, chegava em casa de alma exausta e com fome de justiça, igualdade e proteção. Chorava. Talvez seja essa a experiência que mais me permitiu conhecer e compreender realidades muito além da que eu vivencio, possibilitando tornar-me muito mais sensível ao olhar o outro.

Na disposição social e política de trancafiar os jovens e o debate (debate?) sobre a redução da maioridade penal, sobram abundantes projetos de leis alterando o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (logo este, que constituiu uma significativa conquista para a minoria a partir dos anos 1990, na qual começava-se a tratá-los como sujeitos de direitos e não com a higienização da população, tal como era o Código de Menores). Sobra isso, mas falta o olhar sensível e compreensivo para a realidade da maior parte desses jovens que, muitas vezes, são privados de recursos, de atenção, de amor, de família, de acesso à saúde, educação, cultura, entretenimento. Falta contemplar as localidades em que moram, falta um diálogo com eles, falta um esforço para compreender nosso sistema prisional problemático e faltam investimentos no acesso à educação e nas próprias medidas socioeducativas.

Deixo algumas problematizações que podem fazem caminhar para uma reflexão nesse momento de decisões políticas: são os adolescentes que estão em conflito com a lei ou é a lei que está em conflito com os nossos adolescentes? E quem deve ser responsabilizado pela não garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes?

Marcielly Moresco

Foto: Nair Benedicto

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