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Ainda sonho com o jornalismo ideal para o mundo

O mundo está de cabeça para baixo, são inumeráveis crises e conflitos que, dia após dia, nos chocam e nos comovem. Quando dois atiradores entram em uma redação de jornal e matam 12 pessoas, todos ficamos estarrecidos com tamanha crueldade e sangue frio. A coisa fica mais assustadora ainda quando surgem alguns vídeos que mostram os terroristas em ação nas ruas de Paris, gritando e atacando policiais. Infelizmente, 2015 começou com uma tragédia.

Mais do que uma comoção e o choque, os ataques ocorridos na capital francesa me trouxeram algumas questões jornalísticas relevantes.

A primeira delas diz respeito aos “critérios de noticiabilidade” que têm direcionado a cobertura dos grandes veículos nos últimos dias (e em muitas outras ocasiões) e que, se me permitem, presssão asquerosos. Para os atentados odiosos na França, na Europa que tem dinheiro, em Israel e nos EUA, todas as manchetes, plantões e debates, sempre. Para as centenas de milhares de vítimas de todos os dias na África, na Palestina, nas favelas brasileiras e em outros rincões de que quase nunca ouvimos falar, uma notinha escondida em algum pé de página, como se fossem eventos distantes e irrelevantes.

Pode parecer sonho de um jornalista recém-formado que, aos 24 anos de idade, ainda acredita que sua profissão pode mudar o mundo, mas quantas vidas poderiam ter sido poupadas se apenas uma ínfima parte da atenção que está sendo dada pela imprensa aos acontecimentos em Paris tivesse sido dispensada às milhares de vítimas recentes do terror na Nigéria? Isso só pra dar um exemplo atual. Mas há outros. Há muitos outros. Há não muito tempo, a Organização das Nações Unidas (ONU) e os Estados Unidos fizeram pouco caso de um genocídio em Ruanda. E a imprensa só fingiu acordar para o horror depois que centenas de milhares de cadáveres já apodreciam nas ruas… Óbvio que fico chocado, indignado e até emocionado com o que aconteceu na França. Mas não podemos ignorar os fatos para os quais boa parte do jornalismo ocidental fecha os olhos sistematicamente, como se algumas diretrizes dos manuais de redação não pudessem ser ignoradas de vez em quando, em nome de um jornalismo mais humano.

A segunda questão fica por conta da forma de apurar os fatos acontecidos em um momento de crise/tragédia: por que tanta avidez por notícias que não são apuradas, mas apenas coletadas das fontes oficiais? Será que, devido ao calor das circunstâncias, as forças policiais da França (ou de qualquer outro país) podem ser acreditadas como se nunca houvesse nada a questionar? O que vale é a voz oficial e só a voz oficial? Estou pedindo demais? Talvez sim, e talvez se estivesse em uma cobertura dessas, eu teria feito exatamente a mesma coisa. Mas será que não há alternativas de fontes? Não há histórias paralelas que dão novos pontos de vista aos acontecimentos ou que tragam curiosidades e levantem novas questões aos debates? Não sei se tenho a respostas pra tudo isso, talvez não.

A situação é complicada, claro. O que sei é que esse não é o jornalismo que quero para o Mundo.

Lucas Reis

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